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LIVRO/LANÇAMENTO
"CENAS DA VIDA DE UM MINOTAURO"
Premiado volume de contos do português José Viale Moutinho chega ao Brasil
Textos retomam desatinos da história ibérica
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Primeira ficção do funchalense José Viale Moutinho a
ser lançada no Brasil, o volume
"Cenas da Vida de um Minotauro" ganhou em 2000 o Grande
Prêmio do Conto Camilo Castelo
Branco, agraciado pela Associação Portuguesa de Escritores.
No conto epônimo, o autor expõe o caso de um executivo do
Minho às voltas com um casarão
familiar em ruína. A propriedade
tem painéis de azulejo, dos quais
várias peças foram furtadas no
transcorrer dos anos. O herdeiro
procura alguém que possa decifrar, apesar dos azulejos faltantes,
a história narrada pelos painéis.
Ele diz querer "alguém que saiba ler o que está além das imagens
[...], alguém que possa entrar nas
próprias imagens". E continua:
"Preciso de conhecer uma pessoa
que consiga relacionar estas cenas, pois decerto há toda uma história a dar sentido a tudo isto".
O herdeiro passa então a descrever episódios da vida de um antepassado que, séculos antes, cometeu atos de iniquidade. Em sua
trajetória manchada de sangue, o
fidalgo Leonardo de Montefeltro
partiu a cabeça da mulher por
conta de uma suspeita infundada
de que ela o estaria traindo com
um comendatário de mosteiro.
O próprio comendatário foi em
seguida morto por um escravo
africano, de quem depois decepariam a língua. Do ponto de vista
histórico, o caso ganha um efeito
extra quando sabemos que a intriga fora difundida por um filho do
poeta lusitano Sá de Miranda, Jerônimo de Sá, que nutria amores
pela senhora Montefeltro e tinha
ciúme do comendatário, cujo pênis aliás -descobriram após o terem assassinado- fora substituído por uma cânula de prata.
O caso grotesco é narrado com
ironia pelo herdeiro depauperado. A iniquidade descrita no conto reflete nas outras histórias da
coletânea, quase todas relacionadas com as atrocidades cometidas
por Espanha e Portugal -durante a Guerra Civil, no primeiro
país, e durante o regime do ditador António Salazar, no segundo.
Em "O Tricot de Constança",
por exemplo, uma velha senhora
do Porto lembra o marido morto
por "duas balas perdidas" na sede
do jornal oposicionista dirigido
por ele. Em "Negra Sombra! Negra Sombra!", o neto de um republicano espanhol, assassinado pela Falange fascista, é assombrado
anos depois por cartas enviadas
pelo suposto matador. "Os Alçapões do Sol" é a história de um intelectual preso pelo governo civil
de Lisboa por recusar-se a dar dinheiro à causa do general Franco.
O que percebemos, portanto, é
um deslocamento da violência de
origem psicológica, de foro íntimo, que há no conto que empresta nome à coletânea, para a violência motivada pela esfera política, contida nas histórias que examinam o passado mais recente da
península Ibérica.
O título do conto epônimo evoca ainda a figura do Minotauro, a
quem os cretenses eram obrigados a oferecer sacrifícios humanos. O ser metade touro e metade
homem representa a força bestial
que, segundo a lenda, foi destruída por Teseu, defensor assim da
missão civilizadora.
Viale Moutinho parece sugerir
que, nas atuais irrupções de totalitarismo, encerra-se o instinto
cruento de monstros ancestrais. É
certo que o espírito irônico que
perpassa os textos faz o autor
apresentar teseus bem mais ridículos do que o herói grego -mas
aí são outros 500.
Como o personagem de seu
conto, o autor busca o leitor inteligente, a quem oferece azulejos ficcionais de excelente qualidade.
Com eles, esse leitor saberá recuperar, assombrado, mas literariamente satisfeito, o labirinto de desatinos da história ibérica.
Cenas da Vida de um Minotauro
Autor: José Viale Moutinho
Editora: Landy Editora
Quanto: R$ 25 (128 págs.)
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