São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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Colecionador ataca políticas públicas

Dono de um dos maiores acervos privados do país, João Sattamini cogita retirar obras do MAC de Niterói e critica falta de "política de aquisições" do governo federal

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Mostra no Masp começa amanhã com obras do acervo de João Sattamini


FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Após a coleção de arte construtiva de Adolpho Leirner ter sido vendida para os Estados Unidos, agora é o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, construído há dez anos para abrigar a coleção de João Sattamini, que pode perder as obras que motivaram sua criação.
Expirado em 2004, o comodato que cedeu as obras para o museu projetado por Oscar Niemeyer não foi renovado.
"Estou aguardando uma reserva técnica adequada, se isso não acontecer, vou retirar as obras, essa é a única moeda de troca que tenho", disse Sattamini, 71, que também criticou a ação do governo federal na cultura.
"Esse risco não existe, estamos fazendo tudo para manter a coleção no MAC e temos um projeto de curto prazo para acondicionar de forma adequada todas as obras", respondeu à Folha André Diniz, secretário da Cultura de Niterói.
A partir de amanhã, parte da coleção de Sattamini poderá ser vista no Masp, em SP, na exposição "Arte e Ousadia". Lá, será possível conferir porque Sattamini é um dos cinco mais importantes colecionadores do país, com cerca de 1.200 obras.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida no escritório de Sattamini, no Rio, na última sexta-feira.
 

FOLHA - Como o sr. avaliou a venda da coleção de Leirner para Houston?
JOÃO SATTAMINI -
A coleção é dele, e ele não conseguiu espaço público em São Paulo. Isso é um fenômeno, pois a situação econômica é muito melhor em SP do que no Rio, mas o colecionismo privado está muito mais à frente no Rio, com a [coleção] do Gilberto [Chateaubriand], a do Sérgio Fadel, que é primorosa, a minha, e mais uns cinco ou seis advogados que não querem dar o nome.

FOLHA - Como é sua relação com o museu de Niterói?
SATTAMINI -
A prefeitura fez o museu, tenho relações muito cordiais com o prefeito, é uma pessoa correta, mas é difícil tocar o museu, porque o nível administrativo é baixo, e é uma briga constante para conseguir verbas e pagar exposições.

FOLHA - Apesar de o sr. e o Gilberto Chateaubriand tornarem suas coleções públicas, por meio de comodatos, nenhum dos dois cede as obras definitivamente. É desconfiança do poder público?
SATTAMINI -
É desconfiança. Se o Ministério da Cultura passa 90 dias em greve, como se pode administrar um museu com esse poder público? Há uma contradição entre os privados e o poder público, principalmente agora, com o governo do PT.

FOLHA - Em que sentido?
SATTAMINI -
Em conseguir verba, apoio. Veja o caso da mostra no Masp, patrocinada pela Comgás. Eles aplicaram R$ 1 milhão na exposição. Isso não acontece no setor público. Com exceção da Petrobras, que virou o verdadeiro Ministério da Cultura. Pior é que a verba da Comgás chegou a ficar meses parada no ministério por conta da greve, e o dinheiro foi liberado em cima da hora.

FOLHA - Com tudo isso, o sr. acha que há uma ausência de políticas públicas?
SATTAMINI -
Isso foi o que disse o próprio Leirner [ao explicar a venda de sua coleção para Houston]: "Faço isso por ausência de políticas públicas". Não há política de aquisições. O Museu Nacional de Belas Artes não adquire um trabalho há quanto tempo?

FOLHA - Chateaubriand reclama dos preços cobrados por galeristas. O sr. acha a arte brasileira cara?
SATTAMINI -
Acho, mas aqui há um problema duplo, porque é preciso considerar o preço da arte no Brasil em relação à renda, então não dá para cobrar como nos EUA. Por outro lado, a arte brasileira é a melhor da América Latina. Nem a argentina ou a mexicana se comparam, mas ela não tem o preço dos mexicanos, pois eles estão ali do lado dos EUA. É justo que artistas como Adriana Varejão ou Beatriz Milhazes ganhem o que ganham pelas obras, pois elas merecem, mas restringe muito a aquisição, por exemplo, do Gilberto, que é um comprador voraz, compra muito mais do que eu. Então temos que ir para os novos. Nesse sentido, tive duas sortes: uma foi comprar os concretos que estavam abandonados e depois a geração 80, que estava começando sua produção.


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