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Crítica/"Waldick Soriano - Sempre no Meu Coração"
Longa retrata ídolo da música popular com suas contradições e angústias
PAULO CESAR DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Waldick Soriano pertence a uma elite da
música brasileira: a
elite dos que criaram uma obra
que está na memória coletiva
nacional. Partindo de uma experiência individual, transformava suas canções numa realidade que não era apenas dele e
sim de milhões de outras pessoas que sofrem por amor e
também são frequentemente
humilhadas e ofendidas no cotidiano brasileiro. Rude e doce,
piegas e racional, conservador e
transgressor, mais do que dois,
Waldick Soriano era múltiplo,
embora cultivasse apenas
aquela imagem de machão, inspirada em Durango Kid.
O documentário "Waldick
Soriano - Sempre no Meu Coração", de Patrícia Pillar, é um
retrato humano desse ícone da
nossa música popular. Revela
contradições e angústias do homem por trás do artista.
Mais
do que isso: é um olhar terno
sobre a velhice, a saudade e a
solidão de uma pessoa no ocaso
da vida. E nesse sentido, um clima de melancolia perpassa o
filme, principalmente vendo-o
agora quando sabemos que o
artista já morreu.
A cena que
registra o duro diálogo de Waldick com um de seus filhos é
tristemente universal. Quantos
pais ou filhos já não viveram
(ou ainda viverão) um momento daquele?
Generosamente, a câmera
percorre os principais espaços
de Waldick Soriano: a estrada, o
cabaré, a praça, os palco pobres,
quase improvisados, das cidades do interior... E é com sensibilidade delicada que Patrícia
Pillar nos mostra um artista
popular que, ao longo da carreira, colecionou uma série de críticas, até sobre a sua razão de
ser e de existir.
O filme mergulha nos corações e mentes do
Brasil profundo, mais pobre,
maior. Lá estão o cantor e seus
fãs, os amores, os amigos -e todos têm direito à voz.
A lamentar o pouco material
de arquivo em vídeo existente
sobre Waldick, o que deixou o
documentário neste quesito
restrito basicamente a imagens
de dois longas que ele estrelou
nos anos 70.
A cumplicidade que a diretora estabeleceu com o personagem contribuiu para a forma
natural com que este expõe a
sua trajetória de vida. O filme
desnuda Waldick Soriano, mas
em nenhum momento é invasivo. Parece que o cantor é que
espontaneamente se abre para
a câmera. O resultado é um retrato cru, sem retoques, de um
ídolo popular marcado pelas
rugas do tempo, esquecido pela
mídia e com a saúde precária.
Mas que mesmo assim não
perde a altivez, o sarcasmo, o
bom humor. Felizmente, este
filme foi feito a tempo e também colaborou para Waldick
saciar um pouco daquele desejo
que compartilhava com Nelson
Cavaquinho: "Se alguém quiser
fazer por mim, que faça agora".
PAULO CESAR DE ARAÚJO é historiador e jornalista, autor de "Eu Não Sou Cachorro, Não" e "Roberto Carlos em Detalhes"
Avaliação: ótimo
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