São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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Crítica/"Waldick Soriano - Sempre no Meu Coração"

Longa retrata ídolo da música popular com suas contradições e angústias

PAULO CESAR DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Waldick Soriano pertence a uma elite da música brasileira: a elite dos que criaram uma obra que está na memória coletiva nacional. Partindo de uma experiência individual, transformava suas canções numa realidade que não era apenas dele e sim de milhões de outras pessoas que sofrem por amor e também são frequentemente humilhadas e ofendidas no cotidiano brasileiro. Rude e doce, piegas e racional, conservador e transgressor, mais do que dois, Waldick Soriano era múltiplo, embora cultivasse apenas aquela imagem de machão, inspirada em Durango Kid.
O documentário "Waldick Soriano - Sempre no Meu Coração", de Patrícia Pillar, é um retrato humano desse ícone da nossa música popular. Revela contradições e angústias do homem por trás do artista.
Mais do que isso: é um olhar terno sobre a velhice, a saudade e a solidão de uma pessoa no ocaso da vida. E nesse sentido, um clima de melancolia perpassa o filme, principalmente vendo-o agora quando sabemos que o artista já morreu.
A cena que registra o duro diálogo de Waldick com um de seus filhos é tristemente universal. Quantos pais ou filhos já não viveram (ou ainda viverão) um momento daquele?
Generosamente, a câmera percorre os principais espaços de Waldick Soriano: a estrada, o cabaré, a praça, os palco pobres, quase improvisados, das cidades do interior... E é com sensibilidade delicada que Patrícia Pillar nos mostra um artista popular que, ao longo da carreira, colecionou uma série de críticas, até sobre a sua razão de ser e de existir.
O filme mergulha nos corações e mentes do Brasil profundo, mais pobre, maior. Lá estão o cantor e seus fãs, os amores, os amigos -e todos têm direito à voz.
A lamentar o pouco material de arquivo em vídeo existente sobre Waldick, o que deixou o documentário neste quesito restrito basicamente a imagens de dois longas que ele estrelou nos anos 70.
A cumplicidade que a diretora estabeleceu com o personagem contribuiu para a forma natural com que este expõe a sua trajetória de vida. O filme desnuda Waldick Soriano, mas em nenhum momento é invasivo. Parece que o cantor é que espontaneamente se abre para a câmera. O resultado é um retrato cru, sem retoques, de um ídolo popular marcado pelas rugas do tempo, esquecido pela mídia e com a saúde precária.
Mas que mesmo assim não perde a altivez, o sarcasmo, o bom humor. Felizmente, este filme foi feito a tempo e também colaborou para Waldick saciar um pouco daquele desejo que compartilhava com Nelson Cavaquinho: "Se alguém quiser fazer por mim, que faça agora".

PAULO CESAR DE ARAÚJO é historiador e jornalista, autor de "Eu Não Sou Cachorro, Não" e "Roberto Carlos em Detalhes"

Avaliação: ótimo



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