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CRÍTICA
Medo domina as lembranças fictícias do autor
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Complô contra a América", de Philip Roth,
traz o autor norte-americano
no melhor da sua forma. Se não
atinge a elevação quase irrespirável de "O Teatro de Sabbath"
(1995), coloca-se muito bem
entre uma impressionante série de obras lançadas desde
1993, entre as quais se destacam "Operação Shylock - Uma
Confissão" (1994), "Pastoral
Americana" (1998) e "A Marca
Humana" (2002).
"Complô contra a América",
contudo, precisa ser pensado
em dois planos: o literário e um
outro, externo, que seria desnecessário, mas que o autor fez
questão de ressaltar.
Nesta distopia situada no
passado (em geral elas se localizam no futuro...), o ponto de
partida é simples: o que teria
acontecido com os Estados
Unidos se, em 1940, no meio da
Segunda Guerra Mundial,
Franklin Delano Roosevelt não
tivesse vencido as eleições do
país e o presidente escolhido
então fosse o aviador e simpatizante nazista Charles Lindbergh?
Vida real
A maneira de contar a história, por outro lado, não é nada
simples, mas faz todo o sentido
sendo o escritor quem é. Ele resolve focar a narrativa em uma
única família, a dele mesmo na
vida real, adotando o ponto de
vista do menino de sete anos
que ele teria sido se esse desvio
da história houvesse ocorrido.
Tem-se então um narrador já
adulto, Philip Roth, que rememora os fatos e as impressões
da criança judia que os vivenciou. Não por acaso, as primeiras linhas do texto são: "O medo domina estas lembranças,
um medo perpétuo".
E é mesmo o medo -e uma
cruel variação, a paranóia- a
sensação mais trabalhada pela
trama à medida que o texto se
desenrola e o personagem
Roth, a sua família e conhecidos (o pai, a mãe, um irmão
mais velho, um primo e os vizinhos e amigos de bairro de
Weequahic, em Newark) vão se
envolvendo nos acontecimentos decorrentes da vitória de
Lindbergh, que, assim que é
eleito, viaja para a Islândia para
assinar um acordo com Hitler e
garantir relações pacíficas entre os Estados Unidos e a Alemanha.
Não é porém nos grandes,
mas nos pequenos acontecimentos, rememorados a partir
das interpretações que criava
para os eventos quando criança, que a história está centrada.
Assim, uma visita que a família planejara havia anos para
Washington se realiza seis meses após as eleições. E aí, em
uma das seqüências mais impactantes do livro, fica evidente
como a nova posição política
da nação contaminara a sociedade e como as palavras da
Oração de Gettysburg que o
pai, Herman Roth, lera emocionado pouco antes ("Todos
os homens são criados
iguais...") já não faziam mais
sentido. Já não fazia mais sentido o mundo que o menino conhecia até então: "Todas as manhãs, na escola, eu prestava o
juramento à bandeira nacional.
Com meus colegas, nas cerimônias, cantava hinos que louvavam as maravilhas de nosso
país. Observava religiosamente
os feriados nacionais e jamais
me ocorreu questionar minha
empolgação com a queima de
fogos no Dia da Independência
(...). A nossa pátria era os Estados Unidos da América".
Ficcção e realidade
Roth, o autor, está em terreno
familiar: o dos duplos fragmentados, das identidades disputadas, da discussão da condição
judaica nos Estados Unidos e
fora deles e das grandes construções narrativas, rivalizando
com o que há de melhor em
uma monumental tradição das
literaturas de língua inglesa.
Mas, ainda mais do que em
textos recentes, o tom cômico
cede espaço aqui para o trágico,
passagem contraditória sintetizada em (mais uma, para quem
lembra de "O Teatro de Sabbath") uma inesquecível conversa telefônica entre a mãe do
protagonista e um menino que
ainda não sabia que já era um
órfão.
O ponto negativo vem ao final, um pós-escrito no qual o
escritor busca deixar bem demarcado o que na obra é criação sua e o que corresponde à
realidade, posfácio que, visto
em conjunto com um artigo
publicado por ele no "The New
York Times", cuja intenção é
contar "a história por trás de
"Complô contra a América'",
indica um incompreensível retrocesso em um autor que terminava um romance como
"Operação Shylock - Uma
Confissão", uma epopéia da
confusão entre fato e invenção,
com a seguintes palavras: "Este
livro é uma obra de ficção (...)
Os nomes de personagens, lugares e incidentes são ou produto da imaginação do autor
ou usados ficcionalmente.
Qualquer semelhança com fatos, locais e pessoas reais, vivas
ou mortas, é mera coincidência. Esta confissão é falsa".
Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP-Leste, autor de "O Abismo Invertido" (editora Globo) e organizador de "Memórias do Presente"
(Publifolha).
Complô contra a América
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Brito
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 50 (488 págs.)
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