São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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POP

Lulu canta ambigüidades da música

DA SUCURSAL DO RIO

Poucos no Brasil encarnam as dores e as delícias de ser pop tão bem quanto Lulu Santos. A impressão se confirma em "Letra & Música", seu novo CD.
As delícias estão na capacidade que Lulu tem de desafiar a proverbial superficialidade da música pop e levar esta a seus limites. Comprovada em clássicos como "A Cura" e "Como uma Onda no Mar", a capacidade se renova em inéditas como "Roleta" e "Manhas e Mumunhas". Na primeira, dançante e aparentemente simples, joga com a idéia do eterno retorno, com a linha tênue entre acaso e vontade, com a certeza de que amanhã é resultado de hoje: "Já me disseram que só se recebe de volta o que se dá". Na segunda, consciente de que as diferenças se complementam, ensina: "Somente a dor se iguala à alegria".
Lulu ainda faz divertidos comentários sobre a falta de sentido do mundo pop-celebridade ("Gambiarra"); sobre as ambigüidades do fascínio pela vida norte-americana ("Sinhá & Eu"); e sobre os excessos melodramáticos da vida latina ("Vale de Lágrimas", cuja interpretação, algo paródica, é muito boa).
A inteligência dos comentários sufoca a sensação de déjà vu, uma das dores da música pop. A partir da sexta faixa, as dores aumentam, em especial nas visitas pouco inspiradas a temas que ele já explorou tão bem, como o erotismo ("De Cor"), a metalinguagem ("Letra & Música") e o amor em clima sol-praia-onda ("Din Don"). "Bonobo Blues", canção baseada em uma reportagem científica, e "Zerodoisum", uma ode ao Rio, são interessantes criações prejudicadas por efeitos eletrônicos e de voz microfonada -como se cantasse ao telefone- que soam gratuitos e maçantes.
Esses recursos também esmaecem a beleza sessentista de "Ele Falava Nisso Todo Dia", música de Gilberto Gil que Lulu já tentara gravar para um songbook produzido por Almir Chediak, e que este recusara por causa da leitura modernosa. A atualização sonora não revitaliza a força do mantra-título da composição.
E a regravação de "Pop Star", cuja escolha como "música de trabalho" vai contra o conceito autoral, já que é um sucesso do grupo João Penca, resume as dores comentadas: divertida sim, mas bobinha demais. Lulu é mais do que isso. (LUIZ FERNANDO VIANNA)


Letra & Música
  
Artista: Lulu Santos
Lançamento: Sony BMG
Quanto: R$ 30, em média


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