São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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"SAL DE PRATA"

Sexo e cinema brigam com o didatismo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Peço licença ao leitor para fazer uso da primeira pessoa e esclarecer logo de saída que sou amigo de Carlos Gerbase e admirador do seu cinema. (Sim, embora o crítico às vezes pareça emitir suas sentenças do alto de uma torre de sapiência, ele está sujeito a afeições e gostos pessoais que, se não comprometem, ao menos balizam o seu juízo.)
Por isso o novo filme de Gerbase, "Sal de Prata", me causou uma decepção que talvez não atinja outros espectadores.
O início é promissor: quase em close, falando diretamente para a câmera, a atriz Camila Pitanga, enquanto discorre sobre o prejuízo que uma censura 18 anos poderia causar ao filme, simula uma excitação sexual que pode ser proveniente de uma masturbação ou de uma cunilíngua.
Nesse plano magnífico está concentrado o melhor do cinema de Gerbase: a sensualidade perversa, o humor matreiro, o jogo ambíguo com a linguagem do cinema, em que o "fora do quadro" desempenha um papel tão importante quanto o que é mostrado.
Depois disso, porém, o diretor parece querer enquadrar as potencialidades subversivas de seu tema numa narrativa comportada, madura, de "bom gosto". O sexo e a discussão da natureza do cinema prosseguem, é verdade, mas subordinados a uma trama amorosa artificial, um tanto solene e pouco verossímil.
Em resumo, Cátia (Maria Fernanda Cândido) é uma executiva casada com um cineasta (Marcos Breda) que morre de infarto deixando como obra alguns curtas e vários roteiros arquivados em seu computador.
Desconfiada de que o marido tivesse mantido um caso com a atriz Cassandra (Camila Pitanga), Cátia resolve decifrar o mundo do cinema e levar adiante, com a ajuda de amigos do morto, seus projetos não realizados.
Cada um dos amigos tem uma idéia diferente de cinema, o que gera "filmes dentro do filme" bastante díspares. O que poderia ser uma discussão divertida sobre os caminhos do cinema acaba se perdendo na indecisão entre radicalizar a questão ou buscar a comunicação imediata com um público amplo por meio do didatismo e de um tratamento dramático convencional.
O resultado é uma obra híbrida que fica aquém da verve destrambelhada do melhor Gerbase.


Sal de Prata
  
Direção: Carlos Gerbase
Produção: Brasil, 2005
Com: Maria Fernanda Cândido, Camila Pitanga, Bruno Garcia
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Iguatemi e circuito


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