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Livraria de intelectuais paulistanos chega ao fim
Duas Cidades, no centro de SP, foi centro de referência e editora de ponta nos anos 70
História da loja, vítima da decadência do centro, e de suas publicações se confunde com a de Antonio Candido e seus alunos
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não se fazem mais livrarias
como a Duas Cidades nem amizades como a que unia o crítico
literário Antonio Candido e o
idealizador da loja e editora,
José Petronillo de Santa Cruz.
A livraria, aberta em 1954, foi
por décadas um dos principais
pontos de encontro de intelectuais paulistanos, entre eles e
com os livros que ansiosamente aguardavam chegar da Europa. Ela puxa hoje definitivamente suas grades na rua Bento
Freitas, centro degradado de
São Paulo.
Santa Cruz está enterrado no
túmulo da família de Candido
no cemitério São Paulo, no
bairro de Pinheiros. Ao seu enterro, num domingo do início
de julho de 1997, compareceram o próprio Candido e sua
mulher, Gilda de Mello e Souza.
A viúva de Santa Cruz, desde
então responsável pela Duas
Cidades, Maria Antonia, 60,
lembra-se da presença discreta
do crítico no fundo da igreja onde se celebrou a missa de sétimo dia. Lembra-se também
que os críticos Roberto
Schwarz e Davi Arrigucci Jr.
participaram da cerimônia.
Foi pela editora de Santa
Cruz que talvez a melhor parte
da produção da geração de
Schwarz, a maioria alunos de
Candido, veio a público. A livraria editou, ainda na década de
70, o hoje clássico "Ao Vencedor as Batatas", de Schwarz,
além de diversas outras obras
de ponta do pensamento social
e literário brasileiro.
Essa produção continua a ser
editada, agora em parceria entre a Duas Cidades e a ed. 34, na
coleção "Espírito Crítico". Maria Antonia diz que o fechamento da livraria não afetará a
atividade editorial. Mas a espécie de "centro cultural", a "livraria moderna" em que, diz o
editor Augusto Massi, hoje na
Cosacnaify, se podia encontrar
casualmente com Candido ou
com a professora de filosofia
Marilena Chaui, não conseguiu
acompanhar as mudanças do
mercado, além de ter sido em
parte vítima de sua própria localização "central".
Entre a seqüência de "causas" que levaram à decadência
da livraria e que afastaram potenciais compradores, a viúva
de Santa Cruz enumera a transferência de escolas do centro,
como a Faculdade de Filosofia
da USP, que antes funcionava
na r. Maria Antonia, a degradação do centro e a diminuição de
importância do francês como
língua estrangeira no país
-obras nesse idioma chegaram
a representar quase 80% dos títulos da livraria.
"Depois, surgiu a internet",
arremata Maria Antonia, referindo-se àquela que provavelmente foi a pá de cal num negócio especializado na difusão de
obras estrangeiras.
As dificuldades financeiras,
no entanto, vinham desde a década de 80. Candido chegou a
publicar um artigo na Folha,
em 1987, para tornar pública a
pressão e ameaça de despejo
que a ordem dos dominicanos
fazia sobre a livraria.
Gesto feio
O crítico se tornou amigo de
Santa Cruz quando este ainda
pertencia à ordem e era conhecido como frei Benevenuto, na
década de 50. A loja da livraria,
comprada nessa época, continuou a pertencer aos padres
quando Santa Cruz deixou a batina, em 1971 -uma década e
meia depois, proprietários e locatário passaram da separação
ao conflito.
Candido acusou os religiosos
de preferirem "agir como uma
imobiliária qualquer" e concluía o texto afirmando que o
gesto de disputar o aluguel podia ser legal, mas era "triste e
feio, muito feio".
Maria Antonia conta que,
após a pressão pública do crítico, Santa Cruz e a ordem chegaram a um acordo, dando sobrevida à livraria.
A parceria entre crítico e livreiro, no entanto, não seria
apenas prática mas também
editorial. A professora titular
de literatura na USP Walnice
Nogueira Galvão, freqüentadora da loja e aluna de Candido na
década de 70, lembra-se que foi
ele que lhe "levou pela mão" para publicar um de seus livros
pela Duas Cidades.
"Eu mais ou menos aproximei esse pessoal", diz o crítico
em referência a seus alunos e à
editora.
Tal associação informal se
iniciou com o livro do próprio
Candido "Parceiros do Rio Bonito", publicado inicialmente
pela editora José Olympio, em
1964. "Quando a primeira edição se esgotou, perguntei ao José Olympio se ele queria reeditá-lo", conta o crítico. Mais tarde, em conversa informal, informou a Santa Cruz o resultado -negativo- da conversa.
"Ele me disse que tinha interesse", e o livro ganhou vida nova,
agora pela Duas Cidades.
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