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Crítica
Típica do polemista, obra é bem-humorada e provocadora
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ser de direita no Brasil do
início do século 21 é fácil.
Afinal, recente pesquisa
do Instituto Datafolha revela
que pelo menos metade dos
eleitores brasileiros agora se
classificam ideologicamente
assim.
Já há candidatos que usam
explicitamente a qualificação
como chamariz para atrair votos. Quase todas as revistas e
jornais -não apenas os tradicionais baluartes do conservadorismo- têm agora seus colunistas desavergonhadamente
"de direita".
Nem sempre foi assim. No
rescaldo dos anos do regime
militar, não ser "de esquerda"
era quase um pecado. "Direitista" era ofensa. Mesmo os partidos políticos mais claramente
conservadores tentavam disfarçar sua doutrina. Na eleição
presidencial de 2002, todos os
candidatos tentavam parecer
esquerdistas.
Onda neodireitista
Olavo de Carvalho não faz
parte desta onda neodireitista,
que tem crescido nos últimos
quatro anos, com a guinada antiesquerdista do governo Lula e
do PT, a vitória do "não" no referendo das armas (63% dos votos válidos contra 36%) e os dados do Datafolha de agosto deste ano (79% contra a descriminalização da maconha, 63%
contra a descriminalização do
aborto, 84% pela redução da
maioridade penal dos 18 para
os 16 anos, 51% favoráveis à instituição da pena de morte).
Não. O filósofo paulista, que
hoje reside nos Estados Unidos, há muito tempo defende
posições que atualmente não
causam constrangimento a
ninguém, mas que há dez ou 15
anos eram capazes de estigmatizar socialmente -pelo menos
nos melhores círculos- quem
as sustentasse.
Querelas com intelectuais
Seu livro mais conhecido, "O
Imbecil Coletivo I", está completando dez anos e acaba de
ganhar mais uma reedição.
Trata-se de uma coletânea de
artigos em que o autor trata de
variados aspectos da vida cultural e política contemporâneos. Temas que vão do papel
da homossexualidade ao papel
social da imprensa, das universidades à função do intelectual.
Destacam-se diversas querelas
entre ele e outros atores da inteligência nacional, como Emir
Sader [professor de sociologia
da USP e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro]. Índices
onosmático e de assuntos ajudariam a tornar a obra mais fácil de consultar.
Ele é típico da produção de
Carvalho: volumoso, denso,
idiossincrático, erudito, bem-humorado e provocador. O autor é o polemista clássico, da linhagem de Karl Kraus, H.L.
Mencken e, no nosso país, Paulo Francis, José Guilherme
Merquior, Nelson Rodrigues,
Glauber Rocha e Hélio Fernandes.
Oxigenando o debate
O polemista tira e dá prazer
com a sua coragem de desafiar
o discurso rotineiro e comportado. Com radicalismo não vexado, expõe-se aos ataques e os
devolve. Quando é bem feito,
como é o de Carvalho, ajuda a
oxigenar o debate público de
idéias, revigora o pensamento,
estimula a reflexão.
É difícil concordar com a
maioria das teses e proposições
de Carvalho. Mas, provavelmente, não é esse mesmo o seu
objetivo. O que ele pretende deve ser "criar caso". E quando o
caso se desenvolve com gente
de estatura similar, o leitor é
quem ganha.
Quem se der ao trabalho de
ler pelo menos alguns dos artigos que compõem "O Imbecil
Coletivo I" despido de preconceitos no mínimo vai se divertir
um pouco, no máximo questionar algumas de suas crenças arraigadas e trabalhar intelectualmente para reafirmá-las ou
(quem sabe?) até refutá-las.
Formulário-padrão
Este resenhista não usou o
formulário-padrão para a redação de críticas a "O Imbecil Coletivo I" que o livro traz na primeira folha, mas achou esta
idéia uma das mais originais e
engraçadas do trabalho.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de
relações institucionais da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. É membro do
Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da
USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da "Revista de
Política Externa".
O IMBECIL COLETIVO I
Autor: Olavo de Carvalho
Editora: É Realizações
Quanto: R$ 80 (632 págs.)
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