São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Nos limites da loucura

Famosa por personagens histéricas na TV, Renata Sorrah traz a São Paulo peça na qual interpreta uma mulher perturbada que vive a esperar o marido que desapareceu

Paula Huven/Folha Imagem
Renata Sorrah no cenário da peça "Um Dia, no Verão'


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Renata Sorrah já se cansou de ouvir repórteres lhe perguntando: "Você gosta muito de fazer mulheres neuróticas, não?". Aos 60 anos de vida e 40 de uma carreira marcada por tipos agitados, ela agora está lidando com duas personagens que, embora passeiem pelo limite da loucura, não explodem em espasmos e escândalos.
A protagonista de "Um Dia, no Verão" -peça do norueguês Jon Fosse que, após boa temporada no Rio, estréia na próxima sexta-feira no Sesc Anchieta- não tem sequer nome. Ela passa a maior parte do tempo na janela, esperando a volta do marido que, há mais de 20 anos, saiu para o mar e desapareceu -ou se matou.
"Não acho que ela se tornou uma pessoa esquizóide. Já era psicologicamente perturbada. Mas não vou fazer uma maluca, desnorteada, "tô doida". Porque é uma mulher que parece que está normal, mas não está. Você pode ficar num luto por dois, três anos, não sei, mas chega uma hora em que refaz sua vida", acredita.
Já sua personagem em "Duas Caras", novela de Aguinaldo Silva que substituirá "Paraíso Tropical" em 1º de outubro, tem nome e até dois homens. Célia Mara é casada com Antônio (Otávio Augusto) e amante há 20 anos de João Pedro (Herson Capri).
"Se você me pergunta: é boazinha? Não sei. Mas é uma mulher bacana, que aceita ser amante do homem de sua vida porque, para ela, é melhor ser assim do que não ter. Mas ele é morto por uma bala perdida num circo, ao seu lado, e ela vai dar uma virada", conta a atriz.
Para o grande público, Sorrah consolidou a fama de intérprete de mulheres doidas em duas personagens: a alcoólatra Heleninha Roitman de "Vale Tudo" (1988) e a seqüestradora de crianças Nazaré de "Senhora do Destino" (2004-2005). A primeira virou até adjetivo, usado para classificar quem bebe e dá vexame. Suas cenas fazem sucesso no YouTube e já foram vistas pela própria atriz.
"Gosto de assistir. Há pouco tempo, fui ver, aqui no Rio, um ator [Márcio Machado] imitando uma mistura de Renata com Heleninha. Era uma caricatura, mas bem bacana", aprova.
Ela leva na esportiva a fama de... De quê? Na hora de adjetivar, complica.
"Pode ser que seja intensa. No fim de todo ano, meu voto é: quero começar o ano que vem totalmente orientalizada, cool. Mas não consigo. E não me acho tão intensa, as pessoas é que acham. Na verdade, eu acho pessoas intensas horríveis", volta a rir, procurando deixar o adjetivo só para a atriz Renata Sorrah. "Gosto de dar uma desgrudadinha de mim, pôr um algo a mais. É um prazer que eu tenho."

Aguinaldo Silva
Esse estilo poderia não combinar com a TV, igreja da interpretação naturalista. Mas Sorrah encontrou seu lugar em quase 30 novelas, principalmente nas de Aguinaldo Silva: além das duas já citadas -"Vale Tudo" foi de Gilberto Braga e Aguinaldo-, fez sucesso em "Pedra sobre Pedra" (1992) e "A Indomada" (1997).
"Aguinaldo tem uma temperatura quente, não é de gabinete. Ele explode na tela da TV", exalta ela, reconhecendo só ter aceitado fazer "Duas Caras" por ser uma novela de seu autor preferido.
Reagindo ao que Marília Pêra disse na semana passada, Sorrah teria brincado que vai gravar as cenas da novela de burca para escapar dos closes devastadores das imagens em alta resolução que a nova produção inaugura na Globo, com transmissão digital. "As mulheres maduras estavam preocupadas, mas o [diretor] Wolf [Maya] falou para ficarmos tranqüilas, que não muda quase nada", relaxa.
Seu desejo é se afastar da TV por algum tempo. Pode viajar, fazendo jus ao histórico de filha de alemão e ex-residente nos Estados Unidos; pode fazer como a amiga Marieta Severo e abrir um teatro no Rio (ao lado da sobrinha Deborah Evelyn); ou pode se dedicar a grandes peças que ainda anseia fazer, como "Sonho", de Strindberg, ou "A Gaivota", de Tchekov, agora no papel de Arcádina -ela foi a jovem Nina em 1973.
"Gosto de quase tudo o que eu fiz em teatro. Só não fui feliz quando fiz por motivos que não fossem o texto, como em "Jantar entre Amigos" [em 2001], que eu me forcei a gostar porque queria trabalhar com o [diretor] Felipe [Hirsch]", explica.

Patrulhamento
Ela vibra ao recordar as personagens: a Eva de "Afinal... Uma Mulher de Negócios" (1977), de Fassbinder; a Karin de "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant" (1982), do mesmo autor; a Lotte de "Grande e Pequeno" (1985), de Botho Strauss, e várias outras. Quase todas barra-pesada. E "Um Dia, no Verão", com seus personagens quase sem ação, não é uma comédia.
"Não gosto de ouvir "Ah, esse tédio é escandinavo!". Ou "Por que montar uma peça norueguesa?". Porque é um ser humano igual a gente falando de coisas humanas como solidão, incomunicabilidade. Há uma patrulhamento em cima. A peça poderia se passar em qualquer lugar", defende ela, que divide o palco com Silvia Buarque, Gabriel Braga Nunes, Fernando Eiras e outros.


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