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MÚSICA
Festivais corporativos "leiloam" vinda de atrações internacionais e criam um mercado inflacionado de cachês
Brasil vira mina de ouro para bandas e DJs
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
Até o início dos anos 90, a cada
banda que aportava por aqui se
costumava dizer que o Brasil "estava entrando na rota de shows
mundiais". Hoje o país não apenas arranjou um lugarzinho no
itinerário dos grandes artistas como virou um "novo Japão", ou
"o" lugar para se ganhar dinheiro.
Segundo promotores e agentes
ouvidos pela Folha, a presença de
grandes festivais corporativos, a
forte concorrência e até a longa
distância do Brasil em relação à
Europa e aos Estados Unidos são
fatores que jogam (bem) para cima o cachê pago a bandas e DJs.
Essa inflação de mercado teria
um caráter pernicioso, impedindo que produtores pequenos e
médios consigam trazer ao país
determinados artistas.
"Um dos problemas é que todos
vão atrás das mesmas bandas, e a
conseqüência é que o mercado fica inflacionado", diz Paola Wescher, organizadora do Curitiba
Rock Festival, que em setembro
teve como atrações principais os
norte-americanos Weezer e Mercury Rev e o dinamarquês The
Raveonettes. "E quem tem mais
paga mais. Os produtores vão ficando desesperados, pois temem
não conseguir os artistas que querem, e resolvem investir mais. Vira um grande leilão."
Alguns desses "leilões" aconteceram para trazer Moby (vencido
pela Planmusic), Strokes (nome
forte do Tim Festival) e Pearl Jam
(que ficou com a CIE Brasil).
"Nunca participei, porque fazemos eventos menores, não temos
condições de competir, mas os
leilões existem. É praxe", afirmou
André Barcinski, responsável pelo Campari Rock (que trouxe os
não tão hypados MC5, Kills, Dungen, Berg San Nipples, Optimo).
Barcinski cita como exemplo a
banda americana Dinosaur Jr. "O
agente me disse que o cachê normal deles na Europa ou nos EUA
era de US$ 20 mil ou US$ 30 mil,
mas que, para tocar no Brasil, cobrariam US$ 75 mil, porque ele
sabia que, aqui, "os festivais têm
muita grana". Argumentei dizendo que a banda era pouco conhecida no Brasil, mas não adiantou.
A lógica deles: se uma banda similar ganhou US$ 75 mil no Brasil,
então também mereço isso."
Isso ocorre porque praticamente uma dezena de agências no
mundo controlam grande parte
das bandas e DJs. "Depois que
uma banda ganha uma fortuna
para vir, nenhuma outra quer vir
por menos, e isso cria uma bola de
neve", completa Barcinski.
Esse argumento é refutado por
alguns dos produtores por trás
desses festivais corporativos.
"Acreditamos que um bom patrocinador é o que faz a diferença
em termos de infra-estrutura e
conforto para o público. Mas posso citar como exemplo a turnê do
Cake neste ano, que passou por
Goiás, São Paulo e Curitiba sem
estar dentro de um grande festival. E o Cake já participou do Free
Jazz, em 1999. O Weezer, banda
que todos gostariam de trazer, tocou num festival de porte médio",
disse Joana Braga sócia da D+3,
produtora do mega Claro que É
Rock, que em novembro traz a
São Paulo e Rio Nine Inch Nails,
Flaming Lips, The Stooges e Sonic
Youth, entre outros.
"O mercado brasileiro é inflado,
fora da realidade econômica do
país. Conheço gente que trabalha
em agências no exterior que muitas vezes me ligam dizendo que
receberam ofertas ridículas de tão
grandes por alguns DJs. Isso atrapalha", diz Edo van Duyn, que escala os DJs para o Skol Beats. "Os
agentes vêem Brasil e Japão como
os mercados mais rentáveis."
Assim, a "culpa", além dos festivais corporativos, vai também para os artistas e seus agentes. "Não
acho que os grandes eventos estejam matando o mercado brasileiro", opina a alemã Tina Schröter,
que agencia, entre outros, o top
DJ Chris Liebing. "Aqui na Alemanha, há DJs que não cobram
menos de US$ 2.500 para tocar,
mas não reúnem nem 250 pessoas
para vê-los. Esses DJs é que destroem a cena. Para nós, vários fatores influenciam a cobrança do
cachê: tamanho do evento, preço
do ingresso, número de noites
que o DJ tocará no Brasil etc."
Uma viagem ao Brasil toma
tempo muito maior de bandas e
DJs do que uma excursão por Europa ou pelos EUA, onde eles podem fazer seis ou sete apresentações por semana. "Pagamos muito mais pelo Weezer porque havia
outros interessados neles, mas
também porque eles gastaram
quatro dias de viagem e só fizeram um show", afirma Wescher.
Ela cita outros exemplos: "Perdi
bandas para o Tim Festival porque eles pagaram mais do que o
dobro de cachê que eu estava pagando. Há bandas que não quiseram nem ver minhas propostas
porque estavam esperando propostas do Tim. Com o Flaming
Lips [que tocará no Claro que É
Rock], o preço do cachê chegou a
um valor que já não valia a pena".
Para Joana Braga, "nem sempre
é o preço que determina a vinda
da banda. Pode ser porque querem tocar em mais de duas cidades ou em mais de um país na
América do Sul. Sabendo negociar, é possível convencer uma
banda importante a participar de
shows de médio porte".
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