São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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MÚSICA

Festivais corporativos "leiloam" vinda de atrações internacionais e criam um mercado inflacionado de cachês

Brasil vira mina de ouro para bandas e DJs

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Até o início dos anos 90, a cada banda que aportava por aqui se costumava dizer que o Brasil "estava entrando na rota de shows mundiais". Hoje o país não apenas arranjou um lugarzinho no itinerário dos grandes artistas como virou um "novo Japão", ou "o" lugar para se ganhar dinheiro.
Segundo promotores e agentes ouvidos pela Folha, a presença de grandes festivais corporativos, a forte concorrência e até a longa distância do Brasil em relação à Europa e aos Estados Unidos são fatores que jogam (bem) para cima o cachê pago a bandas e DJs.
Essa inflação de mercado teria um caráter pernicioso, impedindo que produtores pequenos e médios consigam trazer ao país determinados artistas.
"Um dos problemas é que todos vão atrás das mesmas bandas, e a conseqüência é que o mercado fica inflacionado", diz Paola Wescher, organizadora do Curitiba Rock Festival, que em setembro teve como atrações principais os norte-americanos Weezer e Mercury Rev e o dinamarquês The Raveonettes. "E quem tem mais paga mais. Os produtores vão ficando desesperados, pois temem não conseguir os artistas que querem, e resolvem investir mais. Vira um grande leilão."
Alguns desses "leilões" aconteceram para trazer Moby (vencido pela Planmusic), Strokes (nome forte do Tim Festival) e Pearl Jam (que ficou com a CIE Brasil).
"Nunca participei, porque fazemos eventos menores, não temos condições de competir, mas os leilões existem. É praxe", afirmou André Barcinski, responsável pelo Campari Rock (que trouxe os não tão hypados MC5, Kills, Dungen, Berg San Nipples, Optimo).
Barcinski cita como exemplo a banda americana Dinosaur Jr. "O agente me disse que o cachê normal deles na Europa ou nos EUA era de US$ 20 mil ou US$ 30 mil, mas que, para tocar no Brasil, cobrariam US$ 75 mil, porque ele sabia que, aqui, "os festivais têm muita grana". Argumentei dizendo que a banda era pouco conhecida no Brasil, mas não adiantou. A lógica deles: se uma banda similar ganhou US$ 75 mil no Brasil, então também mereço isso."
Isso ocorre porque praticamente uma dezena de agências no mundo controlam grande parte das bandas e DJs. "Depois que uma banda ganha uma fortuna para vir, nenhuma outra quer vir por menos, e isso cria uma bola de neve", completa Barcinski.
Esse argumento é refutado por alguns dos produtores por trás desses festivais corporativos. "Acreditamos que um bom patrocinador é o que faz a diferença em termos de infra-estrutura e conforto para o público. Mas posso citar como exemplo a turnê do Cake neste ano, que passou por Goiás, São Paulo e Curitiba sem estar dentro de um grande festival. E o Cake já participou do Free Jazz, em 1999. O Weezer, banda que todos gostariam de trazer, tocou num festival de porte médio", disse Joana Braga sócia da D+3, produtora do mega Claro que É Rock, que em novembro traz a São Paulo e Rio Nine Inch Nails, Flaming Lips, The Stooges e Sonic Youth, entre outros.
"O mercado brasileiro é inflado, fora da realidade econômica do país. Conheço gente que trabalha em agências no exterior que muitas vezes me ligam dizendo que receberam ofertas ridículas de tão grandes por alguns DJs. Isso atrapalha", diz Edo van Duyn, que escala os DJs para o Skol Beats. "Os agentes vêem Brasil e Japão como os mercados mais rentáveis."
Assim, a "culpa", além dos festivais corporativos, vai também para os artistas e seus agentes. "Não acho que os grandes eventos estejam matando o mercado brasileiro", opina a alemã Tina Schröter, que agencia, entre outros, o top DJ Chris Liebing. "Aqui na Alemanha, há DJs que não cobram menos de US$ 2.500 para tocar, mas não reúnem nem 250 pessoas para vê-los. Esses DJs é que destroem a cena. Para nós, vários fatores influenciam a cobrança do cachê: tamanho do evento, preço do ingresso, número de noites que o DJ tocará no Brasil etc."
Uma viagem ao Brasil toma tempo muito maior de bandas e DJs do que uma excursão por Europa ou pelos EUA, onde eles podem fazer seis ou sete apresentações por semana. "Pagamos muito mais pelo Weezer porque havia outros interessados neles, mas também porque eles gastaram quatro dias de viagem e só fizeram um show", afirma Wescher.
Ela cita outros exemplos: "Perdi bandas para o Tim Festival porque eles pagaram mais do que o dobro de cachê que eu estava pagando. Há bandas que não quiseram nem ver minhas propostas porque estavam esperando propostas do Tim. Com o Flaming Lips [que tocará no Claro que É Rock], o preço do cachê chegou a um valor que já não valia a pena".
Para Joana Braga, "nem sempre é o preço que determina a vinda da banda. Pode ser porque querem tocar em mais de duas cidades ou em mais de um país na América do Sul. Sabendo negociar, é possível convencer uma banda importante a participar de shows de médio porte".


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