São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2006

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cidade-mundo

Curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, focada em 16 megalópoles, diz que São Paulo pode aprender com cidades mais pobres

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto inglês Richard Burdett é considerado um dos maiores especialistas no mundo em urbanismo e grandes cidades. Diretor do curso "Cities Program", da London School of Economics, ele criou a série de conferências "Urban Age", que reúne prefeitos e arquitetos de todo o mundo para discutir o futuro das megalópoles. Por conta de seu trabalho, ele foi convidado a ser o curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, que abriu há três semanas e pode ser visitada até meados de novembro.
Pela primeira vez, a Bienal deixou de lado as maquetes dos arquitetos mais famosos do mundo e colocou 16 metrópoles como o coração da exposição. Seu objetivo é mostrar as transformações, acertos e erros de cidades como Londres, Xangai, Nova York, Cidade do México, Barcelona, Mumbai, Cairo e São Paulo -esta última ele visitou em janeiro para coletar informações e conhecer os problemas. "São Paulo pode aprender com experiências de cidades mais pobres", afirma.
Burdett fala, na entrevista abaixo, sobre o que ele viu nas viagens pelas cidades em transformação no mundo.
 

URBANISMO SEXY
Pela primeira vez, mais de 50% da população mundial mora em cidades. Estima-se que em 2050, serão 75%. Foi uma mudança em massa, pois, há cem anos, eram apenas 10%.
Nos próximos anos, a maior concentração de megacidades será na África e na Ásia. Acho que é um grande desafio, onde há muito potencial de trabalho para os arquitetos. O urbanismo virou sexy. Antes, planejar cidades era visto como algo para burocratas. O desafio desta Bienal é mostrar como lidamos com esses assuntos.

SÃO PAULO
Apesar da escala e dos problemas, há um sentido de diversidade étnica muito rico. Não há uma experiência de cidade de guetos, como em Johannesburgo. Vi pobres e engravatados caminhando no centro da cidade, uma área muito vibrante. O lado ruim é o das enormes desigualdades, da foto que está na Bienal -dos prédios com piscinas no Morumbi cercados por favelas.
O fato de os ricos andarem de helicóptero não acontece por acaso. Nenhum rico em Londres anda de helicóptero, e Londres é razoavelmente rica e grande.

REVITALIZAÇÃO DO CENTRO
Não é suficiente. Você pode jogar um monte de dinheiro lá e ficar apenas com um monte de museus e centros culturais. A menos que você tenha escolas, infra-estrutura, segurança e políticas integradas, as famílias não irão morar lá. Mas é um grande desperdício, uma área maravilhosa no coração da cidade, densa, com belos prédios, boa arquitetura, muitos vazios.

CICLOVIAS EM BOGOTÁ
São Paulo, Caracas ou Cairo têm problemas sérios nessa área. Mumbai, mais ainda, pois tem um sistema que foi projetado para um número de passageiros que equivale a um quarto do que é hoje. Em alguns anos, pode estourar.
Mas há exemplos bem-sucedidos. A Cidade do México fez 200 quilômetros de metrô. Bogotá criou uma rede de corredores de ônibus que é um sucesso, além de mais de 300 quilômetros de ciclovias.
Lazer, trabalho e pequenos percursos só são feitos de bicicleta. É uma cidade de terceiro mundo, de 8 milhões de habitantes, com menos dinheiro que São Paulo e que fez uma transformação radical com três prefeitos talentosos. Tinham pouco dinheiro, mas se reinventaram.

CARROS NA CHINA
Lá, o carro é símbolo de liberdade. Transcende o assunto de mobilidade ou sustentabilidade, pois gerações que nunca puderam se locomover por sua própria vontade estão loucas por usá-lo. Mas já há boas novidades. Apesar de Xangai ter investido milhões em viadutos, túneis, vias expressas, eles também estão construindo 280 estações de metrô.
Até os chineses estão percebendo os impactos negativos do excesso do uso do carro no aquecimento global. Cerca de 75% das emissões de dióxido de carbono saem das cidades. Se não houver mudança no uso do carro particular, teremos efeitos dramáticos no planeta.

PEDÁGIO URBANO
Há apenas cinco anos, Londres tinha problemas de congestionamento em massa; era impossível as pessoas chegarem pontualmente no centro.
Há quatro anos, foi criado o pedágio urbano na área mais congestionada. De lá para cá, outras dez cidades fizeram o mesmo. O trânsito diminuiu muito e as pessoas começaram a mudar trajetos, horários e a usar o transporte público.
O dinheiro do pedágio é investido por lei no transporte público. O uso de ônibus em Londres duplicou em quatro anos.

TÓQUIO VELOZ
Cidades que permitem que seus trabalhadores cheguem em casa rapidamente são geralmente cidades densas. Não como Los Angeles. O transporte público é bem difundido.
Tóquio tem 35 milhões de habitantes na região metropolitana. Ainda assim, em uma hora, eles chegam em casa, apesar das distâncias enormes, graças ao sistema de transporte público. Se todos andassem de carro, demorariam horas.

BARATO EM LONDRES
Em Londres, 50% dos apartamentos em novos empreendimentos imobiliários têm de ser financiados a preços "populares". Está no regulamento atual. Boa parte deles têm de ser reservados aos chamados trabalhadores-chave. Policiais, bombeiros, enfermeiras, professoras têm prioridade para morar perto do trabalho. Para construir, precisa se adequar a essa lei. Se os trabalhadores moram longe demais, não há sistema de transporte que funcione.


ARQUITETURA SOCIAL
Há algumas escolas de São Paulo, feitas após concurso de arquitetura, que são ótimas e que evidentemente influem na qualidade de vida dos habitantes vizinhos e são usadas nos finais de semana. Há ótimos ginásios esportivos na favela do Petare, em Caracas.
E as belas bibliotecas construídas em Bogotá. Quase 7 milhões de pessoas por ano usam a rede de bibliotecas da cidade; é o maior índice na América Latina e acredito que isso teve a ver com a qualidade dos edifícios, dos móveis, do design.

BARCELONA NA RUA
Barcelona impressiona pela revolução que fez pela criação de espaços públicos de alta qualidade para todos. Praças boas, jardins, calçadas, esculturas em espaços públicos viraram lugares onde jovens e velhos, imigrantes e habitantes tradicionais sentam, passeiam, brincam. E era uma cidade endividada, pobre para os padrões europeus, há 20 anos. Soube gastar o dinheiro das Olimpíadas.

SHOPPING PROIBIDO
Os shoppings estavam matando o comércio de rua nos bairros do Reino Unido. O último governo conservador, de John Major, proibiu as grandes superfícies, shoppings ou hipermercados fora das cidades; não se deu mais permissão.
Então, as grandes redes de supermercados tiveram que se reinventar. A maior rede de supermercados do Reino Unido, a Tesco, está fora dos shoppings. Só na região onde moro, há 50 "pequenos" Tescos, onde compro tudo. Uma determinação que criou um efeito muito positivo na economia local.

NA INTERNET - Leia a entrevista completa www.folha.com.br/062941

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