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GUILHERME WISNIK
A "anarquitetura" de Matta-Clark
Seu ataque à arquitetura diz respeito à ilusão de ordem, perenidade e eficiência
que nela se materializa
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GORDON MATTA-CLARK é o artista que mais de perto "dialogou" com a arquitetura, na forma de um afrontamento. Perfurando e extraindo partes de edifícios, munido apenas de instrumentos manuais (como serras elétricas e
picaretas), o artista americano tomou artefatos arquitetônicos como
"ready-mades" que ele não apenas
deslocava de seu contexto original,
ressignificando-os, mas os mutilava
por dentro, como numa colagem cubista às avessas e em grande escala.
Formado em arquitetura, Matta-Clark trouxe princípios da "land
art", como o "site specific", para o interior da cena urbana: mais especificamente, os subúrbios nova-iorquinos. Partindo de operações simples,
como cortar uma casa ao meio e com
uma cunha fez metade tombar ligeiramente para o lado ("Splitting";74),
chegou a "formalizações" complexas, em cortes semicirculares e espirais de lajes e paredes, como que a
inscrever figuras geométricas vazias
no interior de edifícios ("Office-Baroque"; 77, e "Circus"; 78).
Resultam daí espaços negativos,
que reconstroem a percepção do
ambiente à medida que embaralham as noções de verticalidade e
horizontalidade, figura e fundo, ao
mesmo tempo que expõem a compartimentação privada daqueles cômodos. Em outros casos, como no
Pier 52, à beira do rio Hudson, abre
fendas tanto no piso, em direção à
água, quanto na cobertura, em direção ao céu, de modo a denunciar a
compulsão da arquitetura a fechar-se em si mesma numa eterna "zona
intermediária" ("Day's End"; 75).
Na verdade, o seu ataque à arquitetura diz respeito à ilusão de perenidade, eficiência e ordem que nela
se materializa, tornando-a uma poderosa metáfora do status quo social. Agindo na direção contrária, o
artista revela o caráter efêmero,
precário e inútil da arquitetura,
desconstruindo-a como linguagem. Integrante da cena underground e contracultural dos anos
60 e 70, marcada pela desrrepressão sexual e existencial e pela vitalidade dos guetos e do nomadismo
de rua, Matta-Clark procurou revelar a irracionalidade dos processos urbanos escondidos atrás da
aparente disciplina de edificações.
Reflexão que aparece em obras
como "Fake Estates" (1973), em
que compra parcelas mortas de
terreno, invisíveis e inacessíveis
(como um quadrado de 30 centímetros em um miolo de quadra), e
faz uma fotomontagem incluindo
as escrituras e um mapa de localização de suas propriedades.
Concebida a partir do tema "Como Viver Junto", a 27ª Bienal de
SP baliza seus conceitos no experimentalismo das obras ambientais
de Hélio Oiticica e Matta-Clark. No
caso do artista americano, documentada através de alguns objetos,
desenhos, seqüências de fotos e,
sobretudo, de um conjunto expressivo de filmes que registram suas
intervenções "anarquitetônicas".
Em 71, o artista recusou-se a participar da Bienal de SP em protesto
contra o regime militar. É pena que
hoje ele não esteja vivo para intervir diretamente no edifício projetado por Niemeyer, cujos vazios
amebóides já são sugestões "anarquitetônicas" "avant la lèttre".
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