São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2006

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Mostra revê fotojornalismo de Bresson

Fundação Cartier-Bresson, em Paris, expõe "Scrapbook", um álbum com 359 tiragens feitas pelo próprio fotógrafo

Parte das fotos foi exposta no MoMA, em 1947, em mostra que revelou à América o talento do fotojornalista francês

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Robert Capa aconselhou ao amigo Henri Cartier-Bresson: "Os rótulos! Pode ser confortável. Mas vão te colar um e depois vai ser difícil se livrar dele: o de fotografozinho surrealista. Você estará perdido, vai ficar precioso e amaneirado. O melhor é fotojornalista".
Seguindo o conselho de Capa, Cartier-Bresson se afasta da influência dos amigos surrealistas, abandona o cinema, depois de trabalhar como assistente de Jean Renoir, e torna-se um fotógrafo profissional em 1946. Um fotojornalista. "Antes eu fazia fotos mas não sabia o que ia fazer."
E com Capa, Cartier-Bresson funda a Magnum Photos, num bar do MoMA de Nova York. A Magnum foi fruto do enorme sucesso da mostra que o museu dedicou ao francês de 4 de fevereiro a 6 de abril de 1947. Foi essa exposição de 163 fotos, tiradas de 1932 a 1946, que revelou aos americanos o talento de Cartier-Bresson, apresentado como um "artista historiador".
Quase 60 anos depois, a Fundação Cartier-Bresson, instalada num charmoso prédio de Montparnasse, expõe até 23 de dezembro o "Scrapbook", um álbum de 359 tiragens feitas pelo próprio Cartier-Bresson para a exposição nova-iorquina. Um deleite para profissionais e amadores.
"Eu sempre vi o scrapbook de Henri, primeiramente numa pequena maleta e depois na nossa estante, escondido dos olhares indiscretos. Para ele, era o que havia de mais precioso, além do álbum que havia feito para mostrar seu trabalho a Jean Renoir", conta a fotógrafa Martine Franck, viúva de Bresson e presidente da fundação.
A exposição do MoMA fora inicialmente concebida para homenagear um artista "desaparecido". Começou a ser organizada em plena guerra por Nancy e Beaumont Newhall, um casal de estudiosos da fotografia, que haviam recebido a notícia que Cartier-Bresson tinha morrido na guerra. Newhall, historiador da fotografia e fundador do departamento de fotografia do MoMA, concebe uma exposição "póstuma". Depois, descobre que o fotógrafo não somente está vivo -conseguiu fugir da prisão dos alemães- como passa a se dedicar com entusiasmo à exposição. Para tanto, prepara o "scrapbook", álbum de fotos feitas na França, na Itália, na Alemanha, no México e na Inglaterra.
Entre as fotos, há magníficos retratos de artistas como Pablo Picasso, Braque, Alberto Giacometti, Pierre Bonnard e Henri Matisse e de escritores como Paul Claudel, Louis Aragon, Paul Valéry, Elsa Triolet, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus e Paul Éluard. Uma Edith Piaf bela e triste é um dos retratos dessa galeria, que ainda inclui o estilista Christian Dior.
A série de fotos de 1936 das primeiras férias pagas na França é uma aula de fotojornalismo. Os pequenos empregados da indústria, do comércio e do funcionalismo público - o que os franceses chamam "le petit peuple"- são flagrados em cenas comoventes, desfrutando pela primeira vez na história francesa, graças ao governo de esquerda do Front Populaire, do direito de não trabalhar por alguns dias no ano e receber o salário integral no fim do mês.

Um homem e sua Leica
O olho do século começava a nos revelar o mundo que ele via naquele momento mágico que ficou conhecido como "o instante decisivo".
Na Fundação Cartier-Bresson ela está dentro de uma vitrine: uma Leica antiga, marca registrada do fotógrafo, cujo nome virou sinônimo de fotojornalista. Paradoxalmente, ele disse um dia: "A fotografia não me interessa. A única coisa que quero é captar uma fração de segundo da realidade".
Na viagem que faz aos Estados Unidos em 1946, Cartier-Bresson realiza uma reportagem em Nova Orleans para a revista "Harper's Bazaar", acompanhado do jornalista Truman Capote, então um jovem de 22 anos. Sobre o fotógrafo, Capote escreveu: "Ele dançava na calçada como uma libélula inquieta, três grandes Leica penduradas no pescoço, a quarta colada ao olho, tac-tac-tac (a máquina parece parte de seu corpo), disparando cliques com uma intensa alegria e uma concentração religiosa de todo seu ser. Nervoso e alegre, dedicado a seu métier, Cartier-Bresson é um homem solitário no plano da arte, uma espécie de fanático".


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