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Mostra revê fotojornalismo de Bresson
Fundação Cartier-Bresson, em Paris, expõe "Scrapbook", um álbum com 359 tiragens feitas pelo próprio fotógrafo
Parte das fotos foi exposta no MoMA, em 1947, em mostra que revelou à América o talento do fotojornalista francês
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Robert Capa aconselhou ao
amigo Henri Cartier-Bresson:
"Os rótulos! Pode ser confortável. Mas vão te colar um e depois vai ser difícil se livrar dele:
o de fotografozinho surrealista.
Você estará perdido, vai ficar
precioso e amaneirado. O melhor é fotojornalista".
Seguindo o conselho de Capa, Cartier-Bresson se afasta da
influência dos amigos surrealistas, abandona o cinema, depois de trabalhar como assistente de Jean Renoir, e torna-se um fotógrafo profissional em
1946. Um fotojornalista. "Antes
eu fazia fotos mas não sabia o
que ia fazer."
E com Capa, Cartier-Bresson
funda a Magnum Photos, num
bar do MoMA de Nova York. A
Magnum foi fruto do enorme
sucesso da mostra que o museu
dedicou ao francês de 4 de fevereiro a 6 de abril de 1947. Foi essa exposição de 163 fotos, tiradas de 1932 a 1946, que revelou
aos americanos o talento de
Cartier-Bresson, apresentado
como um "artista historiador".
Quase 60 anos depois, a Fundação Cartier-Bresson, instalada num charmoso prédio de
Montparnasse, expõe até 23 de
dezembro o "Scrapbook", um
álbum de 359 tiragens feitas
pelo próprio Cartier-Bresson
para a exposição nova-iorquina. Um deleite para profissionais e amadores.
"Eu sempre vi o scrapbook de
Henri, primeiramente numa
pequena maleta e depois na
nossa estante, escondido dos
olhares indiscretos. Para ele,
era o que havia de mais precioso, além do álbum que havia feito para mostrar seu trabalho a
Jean Renoir", conta a fotógrafa
Martine Franck, viúva de Bresson e presidente da fundação.
A exposição do MoMA fora
inicialmente concebida para
homenagear um artista "desaparecido". Começou a ser organizada em plena guerra por
Nancy e Beaumont Newhall,
um casal de estudiosos da fotografia, que haviam recebido a
notícia que Cartier-Bresson tinha morrido na guerra. Newhall, historiador da fotografia
e fundador do departamento de
fotografia do MoMA, concebe
uma exposição "póstuma". Depois, descobre que o fotógrafo
não somente está vivo -conseguiu fugir da prisão dos alemães- como passa a se dedicar
com entusiasmo à exposição.
Para tanto, prepara o "scrapbook", álbum de fotos feitas na
França, na Itália, na Alemanha,
no México e na Inglaterra.
Entre as fotos, há magníficos
retratos de artistas como Pablo
Picasso, Braque, Alberto Giacometti, Pierre Bonnard e Henri
Matisse e de escritores como
Paul Claudel, Louis Aragon,
Paul Valéry, Elsa Triolet, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus e Paul
Éluard. Uma Edith Piaf bela e
triste é um dos retratos dessa
galeria, que ainda inclui o estilista Christian Dior.
A série de fotos de 1936 das
primeiras férias pagas na França é uma aula de fotojornalismo. Os pequenos empregados
da indústria, do comércio e do
funcionalismo público - o que
os franceses chamam "le petit
peuple"- são flagrados em cenas comoventes, desfrutando
pela primeira vez na história
francesa, graças ao governo de
esquerda do Front Populaire,
do direito de não trabalhar por
alguns dias no ano e receber o
salário integral no fim do mês.
Um homem e sua Leica
O olho do século começava a
nos revelar o mundo que ele via
naquele momento mágico que
ficou conhecido como "o instante decisivo".
Na Fundação Cartier-Bresson ela está dentro de uma vitrine: uma Leica antiga, marca
registrada do fotógrafo, cujo
nome virou sinônimo de fotojornalista. Paradoxalmente, ele
disse um dia: "A fotografia não
me interessa. A única coisa que
quero é captar uma fração de
segundo da realidade".
Na viagem que faz aos Estados Unidos em 1946, Cartier-Bresson realiza uma reportagem em Nova Orleans para a
revista "Harper's Bazaar",
acompanhado do jornalista
Truman Capote, então um jovem de 22 anos. Sobre o fotógrafo, Capote escreveu: "Ele
dançava na calçada como uma
libélula inquieta, três grandes
Leica penduradas no pescoço, a
quarta colada ao olho, tac-tac-tac (a máquina parece parte de
seu corpo), disparando cliques
com uma intensa alegria e uma
concentração religiosa de todo
seu ser. Nervoso e alegre, dedicado a seu métier, Cartier-Bresson é um homem solitário
no plano da arte, uma espécie
de fanático".
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