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CECILIA GIANNETTI
O viajante cego
Escalar o monte Vesúvio era o tipo de diversão que fazia a cabeça do cara. Como fez essas e outras sem enxergar?
NUM TEMPO em que o drama
de viajar não era o apagão aéreo, qualquer trajeto longo
poderia significar dias de dores lombares excruciantes numa carroça
puxada a cavalos em terreno irregular, ou meses enjoando num navio.
Além de superar essas dificuldades
comuns no século 19, o inglês James
Holman tinha mais motivos que
qualquer um para se gabar de ter dado a volta ao mundo.
Não só por ser cego. Mas por ter
completado trajetos que outros
abandonaram pelo meio e escrito
com minúcias impressionantes sobre tudo o que conheceu somente
por meio de seus outros sentidos.
Escalar sozinho o monte Vesúvio
-como fez em junho de 1821- era o
tipo de diversão que fazia a cabeça
do cara.
Como fez essas e outras sem enxergar? Sua história foi recuperada
pelo britânico Jason Roberts, colaborador do "Village Voice" e da Salon.com, em "A Sense of the World"
(HarperCollins).
Holman também sofria de reumatismo e amargou cerca de dois anos
sendo tratado como um inválido,
antes que pudesse se jogar na aventura. A medicina disponível não oferecia alternativas de cura que não
passassem por sessões de sangramentos, choques e sanguessugas
-tudo inútil.
As dores reumáticas foram seu
passaporte: os médicos decidiram
que o Mediterrâneo e certas partes
da Europa tinham condições climáticas que poderiam amenizar o sofrimento físico.
Com carta branca dos doutores,
meteu o pé na estrada, começando
pela França e engrenando viagem
até ganhar fama como viajante e escritor, completando, em 1832, seu
circuito mundial.
Recusava guias, mas era acompanhado às vezes por um amigo completamente surdo, Colebrook. Que
ajudava a enriquecer os textos do
viajante cego com detalhes visuais, e
também gostava de descrever as
mulheres que encontravam pelo caminho. A ajuda era bem recebida pelo viajante cego; não raro, Holman
acabava caindo nas graças de belas
condessas e outras patricinhas high-society da época, e era hospedado
por elas.
Encontrou ainda o Pedestrian
Traveler, sujeito andrajoso que levava no bolso cartas de recomendação
assinadas por diversas autoridades e
fez a pé boa parte de seu trajeto do
Velho Mundo ao Novo Mundo.
Às vezes, aceitava uma carona de
carroça ou de canoa nas travessias
que não poderiam ser feitas de outra
maneira.
Por conta de um mal-entendido,
Holman chegou a ser preso na Sibéria e escapou da cadeia burlando a
burocracia diplomática.
Entrava em regiões desconhecidas sem falar o idioma local e aprendia o básico da língua no tranco.
No continente africano, cruzou
com um guerreiro indígena tatuado
que podia ter acabado com seu barato. A julgar pelo nome -Cut Throat
(corta-garganta)-, não tinha lá muito respeito pela vida alheia.
Mas Holman possuía a manha: ganhou a amizade do aborígene, sobreviveu e seguiu emendando um
programa de índio no outro. Sem
vôos atrasados.
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