RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

"É mentira, Terta?" era o clássico bordão de Pantaleão, um dos clássicos personagens do ainda mais clássico humorista Chico Anysio. Pantaleão contava histórias cabeludas, mentiras absurdas, completas "inverdades" -para usar o atual eufemismo. Mas suas histórias, em geral passadas "em 1927", eram sempre divertidas, saborosas.
E o pedigree é ainda mais clássico: Pantaleão e outros mentirosos de carteirinha descendem do Barão de Munchausen, criado como personagem de ficção por Rudolf Erich Raspe (1736-1794), que conheceu o barão original, que de fato existiu, e publicou versões de seus "causos" por escrito no distante século 18.
Distante, mas nem tanto; em plena época de eleição no Brasil, mentira é o que não falta. Vem dos candidatos, vem de "colegas" jornalistas, especialmente os da variedade áulica. Mas são mentiras sacanas. As do barão não fazem mal a ninguém, são perfeitas para divertir.
Ele combateu na Rússia e o cavalo do seu trenó foi devorado por um lobo que ficou preso nos arreios e terminou ele próprio levando a coisa adiante...
Casos não faltam no livro e não é certo relatar alguns para tirar o prazer do leitor de descobri-los.
Um bom livro merece uma boa edição e foi o caso deste. Inclui simpáticas gravuras de Gustave Doré (1832-1883), certamente as mais famosas ilustrações já feitas das aventuras do barão.
Mais interessante é refletir sobre as histórias. Estamos em um século interessante: o 18, quando ainda não se completara a globalização do mundo iniciada pelas viagens de descoberta dos portugueses três séculos antes.
Mas ao mesmo tempo é o momento do Iluminismo, do triunfo da razão e do conhecimento, do aumento da influência do pensamento científico na mente.
Munchausen não deixa de ser uma espécie de "naturalista". Não é, claro, um Charles Lyell, um Alexander von Humboldt, um Charles Darwin, não cheguemos a tanto; mas é um ser curioso, que narra o universo natural em torno, especialmente suas curiosidades mais exóticas.
Em suas palavras: "Ao contar suas aventuras, a maioria dos viajantes tem por costume dizer que viu muito mais do que realmente viu.
Portanto, não é de espantar que leitores e ouvintes algumas vezes sintam-se inclinados a não acreditar em tudo o que leem e ouvem. Mas, se houver entre os presentes a que tenho a honra de me dirigir alguém tentado a pôr em dúvida a veracidade dos relatos que faço, ficarei profundamente magoado por essa falta de confiança; e vou sugerir-lhes que a melhor coisa a fazer é despedir-se antes de que eu comece a relatar minhas aventuras marítimas, pois elas são muito mais maravilhosas, embora não menos autênticas".

AS AVENTURAS DO BARÃO DE MUNCHAUSEN

AUTOR Rudolf Erich Raspe
TRADUÇÃO Ana Goldberger
EDITORA Iluminuras
QUANTO R$ 44 (200 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


Texto Anterior: Crítica/Romance: "Os Íntimos" traz tagarelice fria sobre ausência de amor
Próximo Texto: Livro de Pondé desafia discurso acomodado do público
Índice | Comunicar Erros