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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Chorei, sorri, emoções vivi

Ana Ottoni/Folha Imagem
Roberto Carlos fazendo Reiki antes de entrar no palco do Olympia, em SP, na semana passada


Eles já duram, na vida de Roberto Carlos, mais do que qualquer um de seus três casamentos. Anderson Marquez, 59, o percussionista Dedé, está com Roberto há 42. Antonio Wanderley, 62, toca piano na banda do rei há 37. Luiz Carlos Ismail, 60, amigo do cantor há 42, é vocalista. Já viram Roberto Carlos engolir um mosquito e quase morrer no palco. Foram presos na África do Sul e quase espancados na Bolívia. Ganham pouco, em relação ao chefe --R$ 800 por show, R$ 40 mil por ano. Mas, sim, o importante é que emoções eles viveram.

Nas últimas semanas, a coluna mergulhou no maravilhoso mundo de Roberto, que fez shows em SP, partiu em turnê pelo Nordeste, no dia 6 dá show no Rio e depois vai para o Sul. Como é sabido, Roberto detesta marrom, roxo, o número 13, aparecer em fotos descabelado --e também falar com a imprensa. O empresário, Dodi Sirena, tenta explicar: "Se eu deixar você, o que vou dizer para a TV Globo? E para a "Caras'?". Entrar no camarim e falar com o rei pode, mas "como amiga".

No camarim, Roberto explica, como amigo: nem ensaiar ele ensaia mais. O mais novinho de sua banda está na estrada há duas décadas. Ao tocar no Olympia, em SP, Roberto só ensaiou uma música, a então inédita "Pra Sempre". "Você tem que ter uma contagem", dizia ao maestro, Eduardo Lage, 56 (26 anos de Roberto). "One, two, three", ordena o rei. E canta.

Eduardo Lage conheceu Roberto quando era diretor do "Globo de Ouro", programa de TV apresentado por Miriam Rios. A atriz casou com Roberto, se separou de Roberto -e Lage, firme. "A gente se diverte", diz. "Uma vez, fui fazer um sinal para o Roberto. Fui chegando para trás, para trás, e caí do palco no meio da mulherada. Rasgaram minhas roupas, foi triunfal!"

Lage conta que Roberto, desde sempre, ora antes de entrar no palco. Há algum tempo vem praticando o reiki, técnica de harmonização em que se usam movimentos com as mãos. "No começo, eu via ele fazendo aquilo antes de entrar no show e pensava que estava me dando tchau. Eu dava tchau também. Depois ele me explicou e eu disse: "Bicho, você é o verdadeiro maluco beleza"."

Já no palco, o rei faz (quase) tudo sempre igual. "Há anos o Roberto entra no palco, suspira e fala: "Que prazer rever vocês". Às vezes ele entra e, antes de falar, já tem gente na platéia gritando: "Que prazer rever vocês...'", diz Lage. Improvisos são raros. Roberto lê tudo, mas tudo mesmo, o que canta e fala no palco em dois teleprompters instalados em frente a ele. Tanto as letras das músicas quanto suas opiniões sobre os seres humanos passam nessas telas. Roberto, disfarçadamente, abaixa os olhos e lê enquanto canta ou filosofa -o público não percebe. "Acho que nem "Detalhes" ele canta sem ler", diz Lage.

"Ele tem mais de 800 canções. É muito difícil decorar todas", explica Genival Barros, 63 (38 anos de Roberto), diretor de palco e espécie de anjo da guarda do rei. Tenta impedir, sem sucesso, que os teleprompters sejam fotografados. "Roberto é um mito. Quando aparecer descabelado para o público, por exemplo, deixará de ser mito."

Tanto controle não evita imprevistos. Anderson Marquez, 59, o percussionista Dedé (42 anos de Roberto), já viu o rei levar tombo no palco. "Foi em Santos. Ele veio entrando, escorregou e, plá!" Dedé já levou também os seus tombinhos. "Caí bem nos pés do Roberto." As histórias são muitas. "E quando o Roberto entra no palco com a braguilha aberta? Eu fico fazendo sinal com os olhos, até que ele percebe e resolve o problema", diz Dedé.

Pior foi quando o rei engoliu um mosquito em pleno palco, bem no meio de uma música. Foi no Equador. "O mosquito veio direto na garganta dele. O Roberto gritava: "Me dá água! Me dá água". Acabou engolindo o inseto", lembra Dedé.

Dedé viu Roberto pela primeira vez em 1961, descendo de um ônibus, no centro do Rio, e vindo em direção à casa de sua namorada, Leny. "O Roberto namorava a irmã dela, Vera." As namoradas se foram, e Dedé, firme. Em 1961, ele pegava o carro do pai e levava Roberto a circos, onde o cantor se apresentava. Logo passaram a fazer dupla, com Dedé na bateria.

Em 66 chegou Antonio Wanderley, 62 (37 anos de Roberto). Doido para se somar à dupla, ele, pianista, fingiu que sabia guitarra. Desmascarado, convenceu o rei a contratá-lo para os teclados -que toca de ouvido, sem nunca ter lido uma única partitura.

O baterista Norival D'Angelo, 54 (29 anos de Roberto) entrou na banda em 74, quando ela era RC-9. Na Bolívia, quase foi espancado, junto com o resto da banda, porque um show atrasou. Na África do Sul, a banda foi detida pela polícia porque tinha um negro -Dedé.

Tantos anos de estrada não dão aos músicos o direito, por exemplo, de entrar no camarim do rei sem a sua expressa autorização -o lugar é praticamente um santuário, e quem cuida dele é Neide de Paula (23 anos de Roberto). Ela conta que o cantor é quem corta, seca e ajeita seus próprios cabelos, levemente tingidos. Faz abdominal pois detesta barriguinha. Exige que Neide providencie, a cada show, dez dúzias de rosas vermelhas e duas de rosas brancas. Há anos, e todos os anos, ele as distribui às mulheres da platéia ao som de sua fiel banda, que entoa "Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui".

LITERATURA


O gordo e o rei

Preciosidade das preciosidades, o livro "Roberto Carlos em Prosa e Versos" foi escrito pelo rei em 1967, para o Dia das Mães. A coluna localizou a pérola -e selecionou um dos deliciosos textos de Roberto, "O Gordo".

"Você já notou? Quase todo gordo que você conhece é barra limpa. Limpíssima. O gordo, gordo mesmo, o gordo autêntico, não é apenas um homem. É um verdadeiro fenômeno.

Você o conhece dos bancos da escola ou é o companheiro do escritório. Pode até ser seu amigo inseparável, que gordo quando dá para ser amigo é amigo mesmo. Papo firme. Envolve tudo com as banhas abundantes de sua amizade.

O gordo típico tem a pele clara, às vezes rosada. Não precisa, obrigatoriamente, beber cerveja (...) O sorriso é largo, franco e frequente, erguendo as culminâncias rechonchudas das bochechas de pudim. A gargalhada, sonora (...), atira-lhe para trás a nobre cabeça de abade medieval mostrando, a quem está embaixo, a papeira farta

Eu acho que o gordo é gordo por uma razão espiritual. Será que a alma de um gordo, alma boa, alma grande, alma gorda como suas banhas, caberia dentro de um corpinho subdesenvolvido?"


Com Cleo Guimarães e Lucrécia Zappi


E-mail: bergamo@folhasp.com.br


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