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Klink narra saga de construir barco longe do mar
Em livro "Linha-d'Água", autor elogia soluções simples de navegação, como o uso da jangada, e critica a burocracia
Navegador diz que seu novo projeto usou tecnologia dos barcos cearenses e lamenta a transformação de portos em aterros no Brasil
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
"Linha-d'Água", o novo livro
de Amyr Klink, corre o risco de
virar um best-seller -como
tem acontecido desde a primeira obra que escreveu. Paulistano radicado em Paraty (RJ), ele
narra agora as aventuras de
construir um barco sofisticado
e inovador longe do mar. Descreve também as dificuldades
de um empreendedor navegando nas águas turvas da burocracia brasileira.
O navegador revela sua admiração pelas soluções simples, que considera as mais geniais. É o caso da jangada cearense, que já tinha chamado a
atenção do cineasta Orson Welles, cujos conceitos Klink
aproveitou em seu barco.
FOLHA - Você fala muito no livro na
valorização da simplicidade e da experiência brasileira, como a das jangadas do Ceará...
AMYR KLINK - Na verdade é a
idéia de valorizar a experiência
local. Quando fiz a primeira
viagem de veleiro, descobri que
não queria mais fazer um barco
nos moldes convencionais. O
barco a vela em geral obedece
regras que têm a ver com o
mundo das regatas, de filhinhos de papai. E os barcos de
pesca têm plataforma de acesso
ao mar e vidro em ângulo negativo por causa do sol. O barco de
pesca mais genial do mundo é
brasileiro, a jangada de piúba. É
a única embarcação do mundo
que não tem leme. Descobri
que aquele barco, que eu achava primitivo quando criança, é
de extrema sofisticação. Não só
de execução mas conceitual
também.
FOLHA - O cineasta Orson Welles
filmou essas jangadas quando esteve no Brasil.
KLINK - Sim. Um cara de cinema tem o olho mais afiado para
essas coisas. Isso que é legal para quem veleja: você começa a
valorizar detalhes técnicos, a
sabedoria, a maneira de resolver pequenos problemas. O
casco do Paratii 2, um barco ultra-sofisticado, usa o mesmo
conceito de uma jangada.
FOLHA - Você critica no livro a forma como o Brasil está transformando portos em aterros...
KLINK - Não sei por que acontece isso. Até hoje é comum falar
em arquitetura que somos um
país que deu as costas para o
mar. O Rio de Janeiro tinha
mais de 300 acessos para o mar.
Todas as instalações, muros de
pedra e atracadouros desapareceram, e no lugar não ficou nada, só aterro e pista. Houve uma
desconexão total em relação a
um meio de transporte e lazer
que no mundo inteiro é hipervalorizado.
FOLHA - Além do aspecto cultural,
existe o aspecto econômico...
KLINK - Claro, acabei de ver um
noticiário sobre a importância
da exploração madeireira da
Amazônia. A informação mais
legal é que toda a atividade madeireira da Amazônia gera para
o Brasil US$ 1 bilhão por ano
[cerca de R$ 2,16 bilhões]. Isso
não é nada. Cito no meu livro o
porto de Palma de Mallorca. A
comunidade de lá resolveu mudar a legislação para receber
barcos visitantes. Passaram a
receber 7.000 veleiros grandes
do mundo todo. Devem receber
hoje U$ 3,5 bilhões por ano [R$
7,6 bilhões]. Três vezes e meia o
que o Brasil corta de madeira. E
a gente carrega esse ônus de
que está destruindo o mundo...
FOLHA - Como foi a construção do
Paratii 2 em Itapevi? Você narra no
livro que foi uma grande aventura a
construção do barco longe do mar...
KLINK - O lado mais perigoso
do mundo dos barcos é que
existe sempre esse envolvimento pessoal. Quando eu comecei a sentir vontade de fazer
alguma coisa diferente, percebi
que não daria para fazer isso
num ambiente formal. Não dá
para ficar sem dinheiro em estaleiro, e eu sempre fico sem dinheiro no meio de um projeto.
Se você descobre uma idéia melhor não dá para mudar. Aí surgiu a idéia de fazer um estaleiro. Foi uma idéia ousada. Está
funcionando até hoje. Se tudo
der certo, no final do ano que
vem vou fazer um projeto mais
maluco ainda, um barco de alta
eficiência para trabalhar com
passageiros. Não vai ser à vela.
O meu sonho é dar uma volta ao
mundo usando sebo, lixo de
matadouro. Ou fazer uma viagem subpolar usando biodiesel
de pinhão bravo ou mamona.
FOLHA - O que você acha do biocombustível?
KLINK - A gente está meio maravilhado com o programa brasileiro. É maravilhoso, de fato.
Não só de biodiesel, mas de
combustíveis alternativos. Mas
tem sempre um outro lado que
precisamos questionar, que é o
problema da monocultura. A
cana-de-açúcar consome as
terras mais nobres do Brasil.
FOLHA - A simplicidade é uma idéia
básica para o seu futuro barco?
KLINK - Quero usar a eficiência
dos catamarãs de competição, o
avanço de opções de design e
alta eficiência para trabalhar
em um regime mais econômico. O Paratii 2, um monstro de
um veleiro, é mais barato de
manter do que um veleirinho
de clube, gasta menos do que
um barco que tem um décimo
do tamanho. Não enche o saco,
não tem coisa para ficar consertando e arrumando.
FOLHA - Você conta no seu livro
que perdeu a paciência com um patrocinador. E mesmo assim eles são
fiéis, acabam te apoiando...
KLINK - A verdade é que eu perdi muitos... (risos) Sempre tive
essa dificuldade, não sei ficar
puxando o saco. Tem essa coisa
de ficar vestindo camisetas que
eu não gosto.
FOLHA - Você diz no livro que o seu
estaleiro acabou comprando o "torno do Lula", onde ele teve o acidente, é verdade?
KLINK - É um assunto polêmico... Vimos lá e compramos. Esse torno ficou com a gente muito tempo, agora já foi vendido.
Na época o Lula estava distante
de ser presidente...
FOLHA - Você está otimista com o
governo?
KLINK - Esse problema de ética
acho que é uma coisa gravíssima. O Brasil tem que começar a
pensar numa maneira de não ir
até o fundo do poço, como a Colômbia. Perdi meus tios assassinados lá. A Colômbia viveu
um caos que ainda não estamos
vivendo, mas para o qual estamos caminhando a passos largos. A Colômbia conseguiu em
16 anos reverter esse processo
usando uma estratégia de educação. Tem que parar com essa
demagogia de construir escolas
e começar a qualificar o ensino.
FOLHA - É verdade que o seu casamento foi fruto de uma aposta?
KLINK - A verdade é que eu não
queria casar. Estava numa época meio cômoda nesse aspecto.
Mas a Marina é uma mulher
determinada. Sei que isso no
Brasil isso é pior do que ser estuprador, mas não consigo gostar de futebol. Mesmo assim
queria assistir a Copa [de 94]
no meu cais. O Brasil estava jogando assustadoramente mal.
Daí surgiu de brincadeira a
aposta, se o Brasil ganhasse a
Copa eu casaria... Acabei casando... (risos)
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