São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comida

O truque do mediterrâneo

Restaurantes italianos embarcam na moda e se passam por "mediterrâneos"; conheça a verdadeira comida da região, com pratos da África, Grécia, Oriente Médio...

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Fico meio irritado quando leio guias de restaurante, ou propagandas de restaurantes, e vejo estabelecimentos classificados como "cozinha mediterrânea". Às vezes, um conceito entra tanto na moda que perde o conteúdo e o significado. Vale para os hábitos, para a arte em geral, e também para a gastronomia. Desde que a chamada "dieta mediterrânea" se tornou um ícone entre médicos e gourmets, restaurantes brasileiros abraçaram com paixão o rótulo.
Mas o que existe de real por trás dele?
Já virou lugar-comum que o jeito de comer nos países banhados pelo mar Mediterrâneo seria mais leve e saudável. É um jeito que valoriza produtos que fazem parte da história remota da região -azeite de oliva, vinho, ervas aromáticas, lentilhas, feijões, grão-de-bico- e vegetais que chegaram mais recentemente (tomate, berinjela, abobrinha, pimentão). E no qual os peixes são consumidos em mais abundância que a carne bovina (esta perde para cordeiros e cabritos, mais fáceis de criar em terreno menor e mais acidentado); e as frutas frescas são apreciadas em sua época apropriada, enquanto as secas abastecem durante o ano todo especialmente os povos da África e Oriente Médio.
África? Oriente? É aí que começa o estranhamento nos restaurantes de São Paulo autodenominados "mediterrâneos". Neles, normalmente o que vemos é apenas a velha e boa cozinha... italiana. Que, convenhamos, não é nenhuma novidade na cidade. Ok, alguns incluem um prato espanhol e outro francês para convencerem de que estão realmente surfando na onda do Mediterrâneo. Mas com isso perdem a chance de retratar um panorama mais amplo de uma região que foi o berço de toda a cultura ocidental, simplesmente eliminando desta história os povos menos "glamurosos" do Oriente Médio e da África.
O Mediterrâneo banha 15 países, não apenas França, Itália e Espanha. O vinho já era bebido no norte da África antes que os gregos o popularizassem e, por meio dos romanos, inundasse a Europa. A pizza -ou o pão naquele formato, chato, assado sobre pedras- já existia em vários países (às vezes com nomes parecidos, como "pita"), antes de os italianos a transformarem num best-seller mundial. E no entanto, a quase totalidade dos restaurantes "mediterrâneos" de São Paulo se satisfaz em servir apenas receitas italianas. É como se um restaurante grego, ou marroquino, se rotulasse como "mediterrâneo" só para estar na moda; ou um bar de sushi se apresentasse como " asiático"...
O restaurante Mediterrâneo Grazie a Dio! nasceu brindando pratos de toda a região (franceses, árabes, italianos, gregos, espanhóis, africanos), embora hoje chame-se somente Grazie a Dio! e tenha pendido para o lado italiano. Mas casas como o Azaït procuram representar a região, com pratos inspirados em vários países, como o cordeiro Ramadã, à moda do Egito (desfiado, com arroz de frutas secas com canela e purê de tomate); o peixe psari plaki, à moda grega (pescada cambacu com tomate, cebola, alho, vinho branco e azeitonas pretas gregas); e o franco-italiano espaguete com camarão, tomate e alho com lagostins à provençal.
No Oliva, atualmente pode-se comer camarão grelhado com queijo feta e tomate (Grécia) e ovos mexidos com ovas de ouriço (da Andaluzia). Mas a escassez de restaurantes amplamente mediterrâneos não deve alarmar ninguém. Afinal, não existe uma cozinha propriamente mediterrânea: são várias cozinhas, de vários países, com traços comuns. Nós podemos encontrá-las em restaurantes gregos, libaneses, italianos... Se alguém quiser servir tudo junto num mesmo local, ótimo. Se, mais do que isso, quiser criar uma cozinha própria, que vá além da somatória de vários pratos de vários países (uma espécie de "mediterrânea fusion"?), vale a tentativa também. Só peço que parem de nos vender a árvore como se fosse a floresta: restaurante italiano é italiano. Pra que querer enfeitar no rótulo?


AZAÏT
r. Peixoto Gomide,1.532, tel. 0/ xx/11/3063-5799

GRAZIE A DIO
r. Girassol, 67, tel. 0/xx/11/3031-6568

OLIVA
av. Nova Independência, 98, tel. 0/xx/11/5505-4755


Texto Anterior: Debate: Intelectuais falam sobre arte hoje na ABL
Próximo Texto: Cordeiro Ramadã
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.