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Comida
O truque do mediterrâneo
Restaurantes italianos embarcam na moda e se passam por "mediterrâneos";
conheça a verdadeira comida da região, com pratos da África, Grécia, Oriente Médio...
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
Fico meio irritado quando
leio guias de restaurante, ou
propagandas de restaurantes, e
vejo estabelecimentos classificados como "cozinha mediterrânea". Às vezes, um conceito
entra tanto na moda que perde
o conteúdo e o significado. Vale
para os hábitos, para a arte em
geral, e também para a gastronomia. Desde que a chamada
"dieta mediterrânea" se tornou
um ícone entre médicos e gourmets, restaurantes brasileiros
abraçaram com paixão o rótulo.
Mas o que existe de real por
trás dele?
Já virou lugar-comum que o
jeito de comer nos países banhados pelo mar Mediterrâneo
seria mais leve e saudável. É um
jeito que valoriza produtos que
fazem parte da história remota
da região -azeite de oliva, vinho, ervas aromáticas, lentilhas, feijões, grão-de-bico- e
vegetais que chegaram mais recentemente (tomate, berinjela,
abobrinha, pimentão). E no
qual os peixes são consumidos
em mais abundância que a carne bovina (esta perde para cordeiros e cabritos, mais fáceis de
criar em terreno menor e mais
acidentado); e as frutas frescas
são apreciadas em sua época
apropriada, enquanto as secas
abastecem durante o ano todo
especialmente os povos da
África e Oriente Médio.
África? Oriente? É aí que começa o estranhamento nos restaurantes de São Paulo autodenominados "mediterrâneos".
Neles, normalmente o que vemos é apenas a velha e boa cozinha... italiana. Que, convenhamos, não é nenhuma novidade
na cidade. Ok, alguns incluem
um prato espanhol e outro
francês para convencerem de
que estão realmente surfando
na onda do Mediterrâneo. Mas
com isso perdem a chance de
retratar um panorama mais
amplo de uma região que foi o
berço de toda a cultura ocidental, simplesmente eliminando
desta história os povos menos
"glamurosos" do Oriente Médio e da África.
O Mediterrâneo banha 15
países, não apenas França, Itália e Espanha. O vinho já era bebido no norte da África antes
que os gregos o popularizassem
e, por meio dos romanos, inundasse a Europa. A pizza -ou o
pão naquele formato, chato, assado sobre pedras- já existia
em vários países (às vezes com
nomes parecidos, como "pita"),
antes de os italianos a transformarem num best-seller mundial. E no entanto, a quase totalidade dos restaurantes "mediterrâneos" de São Paulo se satisfaz em servir apenas receitas
italianas. É como se um restaurante grego, ou marroquino, se
rotulasse como "mediterrâneo" só para estar na moda; ou
um bar de sushi se apresentasse como " asiático"...
O restaurante Mediterrâneo
Grazie a Dio! nasceu brindando
pratos de toda a região (franceses, árabes, italianos, gregos,
espanhóis, africanos), embora
hoje chame-se somente Grazie
a Dio! e tenha pendido para o
lado italiano. Mas casas como o
Azaït procuram representar a
região, com pratos inspirados
em vários países, como o cordeiro Ramadã, à moda do Egito
(desfiado, com arroz de frutas
secas com canela e purê de tomate); o peixe psari plaki, à moda grega (pescada cambacu
com tomate, cebola, alho, vinho
branco e azeitonas pretas gregas); e o franco-italiano espaguete com camarão, tomate e
alho com lagostins à provençal.
No Oliva, atualmente pode-se
comer camarão grelhado com
queijo feta e tomate (Grécia) e
ovos mexidos com ovas de ouriço (da Andaluzia).
Mas a escassez de restaurantes amplamente mediterrâneos não deve alarmar ninguém. Afinal, não existe uma
cozinha propriamente mediterrânea: são várias cozinhas,
de vários países, com traços comuns. Nós podemos encontrá-las em restaurantes gregos, libaneses, italianos... Se alguém
quiser servir tudo junto num
mesmo local, ótimo. Se, mais do
que isso, quiser criar uma cozinha própria, que vá além da somatória de vários pratos de vários países (uma espécie de
"mediterrânea fusion"?), vale a
tentativa também. Só peço que
parem de nos vender a árvore
como se fosse a floresta: restaurante italiano é italiano. Pra
que querer enfeitar no rótulo?
AZAÏT
r. Peixoto Gomide,1.532, tel. 0/ xx/11/3063-5799
GRAZIE A DIO
r. Girassol, 67, tel. 0/xx/11/3031-6568
OLIVA
av. Nova Independência, 98, tel. 0/xx/11/5505-4755
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