São Paulo, terça-feira, 23 de novembro de 2010

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Teatro português põe história no divã

Conjuntura econômica atual faz emergir discussão da identidade nacional em montagens em cartaz no país

Peça "Sombras", que vem ao Brasil em junho do ano que vem, alterna os amores doídos dos fados e textos famosos

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL AO PORTO

(PORTUGAL) Ir ao teatro em Portugal é cada vez mais parecido a se instalar num divã para uma sessão de análise. A avaliação é de diretores, críticos e produtores do país, que apontam o tema da identidade nacional como fantasma a espreitar a cena lusa atual.
Em Lisboa, o recém-estreado "1974", do Teatro Meridional, revê a história local no século 20, com escalas na ditadura de 48 anos, nas promessas de liberdade e reinvenção da Revolução dos Cravos (1974) e no acidentado processo de adesão à Comunidade Europeia (1986).
"Sombras", do Teatro Nacional São João, que iniciou temporada no Porto na última quinta e chega ao Brasil em junho, volta ainda mais na história para tentar montar a equação-síntese do "jeito de ser" português.
As variáveis incluem a conhecida melancolia fatalista, a animosidade com a vizinha Espanha (resquício dos tempos da expansão marítima) e o espectro de D. Sebastião 1º, desaparecido em batalha, mas sempre aguardado para reconduzir o país à glória.
Num cenário que reproduz um cais, alternam-se os amores doídos e saudosos dos fados e textos das tragédias "Castro", de António Ferreira, e "Frei Luís de Sousa", de Almeida Garrett, além de excertos de Fernando Pessoa, Pedro Homem de Mello e Jacinto Lucas Pires. Em projeções de vídeo, figuras fantasmáticas tecem diálogos mudos (e efêmeros) com quem deita lamentos no porto.

PERDERAM O COMBOIO
Vez por outra, o pesar é cortado pelo bailado efusivo do fandango. A montagem, não custa lembrar, tem por subtítulo "A Nossa Tristeza É uma Imensa Alegria". Nota de alento para um Portugal alquebrado, que ainda sente os ecos da crise econômica.
"Estamos sempre a perder o comboio [trem] por pouca coisa. Há uma tendência ao deslize para um limbo que não é nosso melhor", diz o diretor do espetáculo, Ricardo Pais. "Mas não somos um país autocomplacente com a sua melancolia, que se compraz com isso. A cavalgada eufórica [fandango] vem explorar o potencial de catarse pela celebração."
Para o dramaturgo e crítico de teatro do jornal "Público", Jorge Louraço, a onda de "análise coletiva" nos palcos portugueses espelha o paradoxo de um país "desapossado, considerado um dos mais atrasados da Europa, mas que é cheio de história e busca aí uma compensação".
Ainda no que se refere a tendências, ele aponta no circuito lisboeta uma tendência a jogos de linguagem. Já no Porto, o traço distintivo seria uma inclinação a retratar os nós da sociedade portuguesa. Multiplicam-se os divãs.


O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da produção do Teatro Nacional São João


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