|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
É o mais violento disco já produzido no país
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
"Sobrevivendo no Inferno",
disco recém-lançado dos Racio
nais MCs, consegue uma proeza,
na contramão da maioria dos ar
tistas que lançam seu segundo dis
co: é bem mais radical que o pri
meiro, "Raio X Brasil".
Se as letras longuíssimas, a con
denação ao uso de drogas e o dis
curso ambivalente sobre arma
mento são familiares a quem co
nhece o grupo, o numeroso relato
de mortes surpreende.
A coisa pulula em "Tô Ouvindo
Alguém Me Chamar", em que
Mano Brown acompanha Ubina,
que "fez vestibular no assalto ao
busão e na agência bancária se for
mou ladrão".
Traça seu perfil, de filho de bêba
do, que se humilhava na escola
com "roupas da esmola".
Não há clemência no discurso
antipolicial (não há nada tão explí
cito como um "Cop Killer", mas
em "Diário de um Detento"
-ambientado no Carandiru, no
dia da chacina dos 111- os PMs
são vistos como gente que passa
fome metida a Charles Bronson) e
a lembrança da condição miserá
vel que é ser negro e pobre na zona
sul de SP é retomada a cada faixa.
Brown lembra que "chegou aos
27 anos contrariando a estatísti
ca" e companheiros desfiam nú
meros como "a cada 4 mortes por
violência policial, 3 são de jovens
negros".
O local mais citado no disco é o
cemitério São Luiz, uma das prin
cipais referências da zona sul
-tanto quanto o Hospital do
Campo Limpo. O grupo lamenta a
morte de vários colegas e Brown
reconhece que poderia ser aquela
sua mãe, de "pele escura", colo
cando "flores na sepultura".
É pouco dizer que "Sobreviven
do" é o mais radical disco dos Ra
cionais. É o mais violento disco já
produzido no país. A mensagem é
pesada em cada verso, o sangue
jorra com naturalidade, tiros es
pocam em quase todas as faixas.
Os Racionais devolvem a violên
cia que observam a cada dia vivido
na periferia de São Paulo.
Mas se "ver um mano meu co
berto com jornal" é cena constan
te, é de se perguntar o que Brown
acha quando nota que seu público
começa a se estender para parcelas
brancas e cada vez mais endinhei
radas da classe média.
Não deve ser à toa o proselitismo
ao recitar uma série de bairros da
periferia de São Paulo -Bezerra
da Silva já fez algo semelhante com
as favelas do Rio.
Seja como for, sabe-se quem tem
"direito" à mensagem. Recente
mente, ao visitar uma favela no
Mar Paulista, próximo à represa
Billings, em São Paulo, ouvi tal
hostilidade de um menininho, que
jamais havia me visto ali e fez ques
tão de cantar bem alto: "(...) nem
mais o IBGE passou por aqui, filho
da puta". Era Racionais.
Disco: Sobrevivendo no Inferno
Artista: Racionais MCs
Lançamento: Cosa Nostra
Quanto: R$ 18 (em média)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|