São Paulo, terça, 23 de dezembro de 1997.




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É o mais violento disco já produzido no país

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

"Sobrevivendo no Inferno", disco recém-lançado dos Racio nais MCs, consegue uma proeza, na contramão da maioria dos ar tistas que lançam seu segundo dis co: é bem mais radical que o pri meiro, "Raio X Brasil".
Se as letras longuíssimas, a con denação ao uso de drogas e o dis curso ambivalente sobre arma mento são familiares a quem co nhece o grupo, o numeroso relato de mortes surpreende.
A coisa pulula em "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar", em que Mano Brown acompanha Ubina, que "fez vestibular no assalto ao busão e na agência bancária se for mou ladrão".
Traça seu perfil, de filho de bêba do, que se humilhava na escola com "roupas da esmola".
Não há clemência no discurso antipolicial (não há nada tão explí cito como um "Cop Killer", mas em "Diário de um Detento" -ambientado no Carandiru, no dia da chacina dos 111- os PMs são vistos como gente que passa fome metida a Charles Bronson) e a lembrança da condição miserá vel que é ser negro e pobre na zona sul de SP é retomada a cada faixa.
Brown lembra que "chegou aos 27 anos contrariando a estatísti ca" e companheiros desfiam nú meros como "a cada 4 mortes por violência policial, 3 são de jovens negros".
O local mais citado no disco é o cemitério São Luiz, uma das prin cipais referências da zona sul -tanto quanto o Hospital do Campo Limpo. O grupo lamenta a morte de vários colegas e Brown reconhece que poderia ser aquela sua mãe, de "pele escura", colo cando "flores na sepultura".
É pouco dizer que "Sobreviven do" é o mais radical disco dos Ra cionais. É o mais violento disco já produzido no país. A mensagem é pesada em cada verso, o sangue jorra com naturalidade, tiros es pocam em quase todas as faixas.
Os Racionais devolvem a violên cia que observam a cada dia vivido na periferia de São Paulo.
Mas se "ver um mano meu co berto com jornal" é cena constan te, é de se perguntar o que Brown acha quando nota que seu público começa a se estender para parcelas brancas e cada vez mais endinhei radas da classe média.
Não deve ser à toa o proselitismo ao recitar uma série de bairros da periferia de São Paulo -Bezerra da Silva já fez algo semelhante com as favelas do Rio.
Seja como for, sabe-se quem tem "direito" à mensagem. Recente mente, ao visitar uma favela no Mar Paulista, próximo à represa Billings, em São Paulo, ouvi tal hostilidade de um menininho, que jamais havia me visto ali e fez ques tão de cantar bem alto: "(...) nem mais o IBGE passou por aqui, filho da puta". Era Racionais.

Disco: Sobrevivendo no Inferno Artista: Racionais MCs Lançamento: Cosa Nostra Quanto: R$ 18 (em média)


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