São Paulo, terça-feira, 24 de janeiro de 2006 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Chega às lojas o CD duplo "One Down, One Up", registro da fase áurea de John Coltrane O fino do JAZZ
RONALDO EVANGELISTA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Imagine que você está andando por Nova York, em 1965, e resolve entrar em um pequeno clube de jazz, com lotação de 130 lugares. No minúsculo palco, sonhe com um quarteto formato por McCoy Tyner ao piano, Jimmy Garrison no baixo, Elvin Jones na bateria e John Coltrane no sax tenor, ocasionalmente tocando o soprano. Pense na música que saía dos instrumentos dos quatro, criada instantânea e espontaneamente, com solos que duravam cerca de meia hora, cada um deles tocando como se aquela fosse a última madrugada de suas vidas. Pois essa era uma realidade freqüente no clube Half Note, onde o quarteto de jazz de John Coltrane fez residência no seu auge, de 1964 e 1965, não raro com apresentações que começavam à meia-noite e iam até o raiar do dia. No público, não é difícil imaginar a presença de aguns dos mais importantes músicos, artistas e intelectuais da época, interessados em ver que loucuras Coltrane estava aprontando. Transmitidas também pelo rádio, graças ao DJ Alan Grant, essas apresentações se tornaram lendárias. Muitas delas circularam entre músicos e fãs em gravações piratas. Agora, pela primeira vez, duas dessas gravações ganham versão oficial em CD, pela gravadora Impulse (com edição nacional da Universal). Lançado em outubro nos EUA e agora aqui, "One Down, One Up" é um CD duplo, com gravações dos dias 26 de março de 1965 (no primeiro CD) e 7 de maio do mesmo ano (no segundo). Apenas quatro músicas aparecem no álbum, "One Down, One Up", "Afro Blue", "Song of Praise" e "My Favorite Things" -mas em que versões! A mais curta tem quase 13 minutos. A mais longa, mais de 27. Como era comum a Coltrane nessa época, os solos longos, tão estudados quanto improvisados, nunca menos que geniais, simplesmente esgotam suas possibilidades melódicas e harmônicas, enquanto os arranjos tensos mantêm as músicas no seu limite, criando uma atmosfera musical inovadora. Acompanhado de seu quarteto clássico, formado em 1960, com quem tocou até o fim de 1965, Coltrane está inspiradíssimo. E o mesmo pode-se dizer de seus músicos, que parecem violentamente empolgados nas sessões. Mesmo quando o grupo começa com uma introdução arranjada, logo entra no puro improviso, veloz e ferozmente, explodindo em imaginação e originalidade. Com apresentação de Alan Grant no começo e no fim de cada transmissão, a sessão começa durante um solo de baixo de Garrison, já no meio da apresentação, com a banda quentíssima. Cerca de um minuto e meio depois, Jones vai se empolgando na bateria e Tyner solta mais seus acordes blocados. Quando Coltrane entra, tudo faz sentido e percebe-se que aqui, neste momento, a música não tem limites. E tudo isso é só a primeira faixa. "Este é meu período favorito dessa banda, quando eles estavam tocando com regularidade em um pequeno palco na rua Hudson, olhando um para o outro, e a música se encaixava com perfeição", opina Ravi Coltrane, filho do músico, no encarte do CD. "Ele ficava no mesmo solo por 45 minutos, com as veias saltando de seu pescoço", descreve Mike Canterino, fundador do Half Note. Dois anos depois, em julho de 1967, Coltrane morreu, vítima de câncer. Foi ao longo dos anos 60 que ele derrubou barreiras do jazz e abriu infinitas possibilidades para os músicos que estavam a seu lado ou que vieram a seguir. Poucos meses antes das sessões ao vivo que aparecem no CD, Coltrane gravava a obra-prima de sua fase "cabeça", o clássico "A Love Supreme" -que acaba de ganhar edição nacional, dentro de série que reedita dez álbuns essenciais de jazz. Texto Anterior: Programação Próximo Texto: "Getz/Gilberto" vem com bônus Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |