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JOÃO PEREIRA COUTINHO
As viúvas da aldeia
A idéia, vinda da Inglaterra, era apontar os maiores de Portugal. E há possibilidade séria de Salazar levar a taça
QUEM SERÃO os grandes brasileiros da história? Melhor
não responder. Há perguntas
que devem ficar sem resposta.
Os portugueses aprenderam essa
lição em concurso televisivo que rebentou em polêmica. A idéia, simpática e importada da Inglaterra, era
eleger os maiores do país. Concurso
em duas fases. Na primeira, elegiam-se os cem maiores. Na segunda, os dez maiores. Atualmente, os
portugueses votam no maior de todos. E existe a séria possibilidade de
Salazar levar a taça. Como explicar
isso? Como explicar que Churchill
vença na Inglaterra e Salazar conquiste Portugal 30 anos depois da
Revolução dos Cravos?
Calma, gente: falamos de uma
brincadeira televisiva, e a lista dos
dez primeiros não é uma vergonha
completa. Não temos uma princesa
Diana, como os ingleses. Temos Camões e Pessoa, por exemplo, embora só Camões e Pessoa: a prova definitiva de que a "literatura portuguesa" é sobretudo uma questão de verso, não de prosa. Isso é válido para o
presente: para cada Saramago, há
dez poetas incomparavelmente melhores. Saramago não está na lista.
Os descobrimentos também não
foram ignorados. Henrique, o Navegador, surge em posição de destaque. Inevitável. Vasco da Gama, que
descobriu o caminho marítimo para
a Índia e destronou a rota mediterrânica das especiarias, também. E
Pedro Álvares Cabral? Ausente. Curioso: o que diria Freud da forma
maciça como os portugueses removeram a descoberta do Brasil do seu
horizonte mental? Pedro dos tamancos ficou em 49º lugar. O Brasil,
nitidamente, interessa pouco.
Na política, dois nomes: d. João 2º,
um modernizador com olhos postos
na expansão marítima; e o marquês
de Pombal, que ganhou certo consenso entre os lusos. O marquês,
que, pelos padrões modernos, seria
um tirano com gosto pela violência
de Estado, ficou para a posteridade
como herói do terremoto de 1755. A
ignorância é democrática.
Mas um nome espanta pela qualidade: Aristides de Sousa Mendes.
Oscar Schindler, o nazista arrependido, salvou mil judeus da morte
certa? Aristides, cônsul em Bordéus,
salvou 30 mil, concedendo visto de
passagem para os perseguidos de
Hitler e contrariando Salazar.
E Salazar? Salazar, que condenou
Aristides à miséria, surge na lista
disposto a ganhá-la. Entender o fato
implica saber que a televisão lusa tudo fez para excluí-lo da seleção inicial. A intenção censória fez ricochete e despertou as brigadas saudosistas, que correram em salvamento do
velho e esquecido Antônio.
Não foram as únicas. Se Salazar
está na lista, o histórico líder dos comunistas, Álvaro Cunhal, também.
Duas faces, a mesma moeda: a moeda do autoritarismo reacionário (Salazar) e do stalinismo revolucionário (Cunhal). Trinta anos depois do
25 de Abril, uma brincadeira televisiva mostrou o que eu já suspeitava:
a maioria dos meus compatriotas
sente saudades de dois ditadores.
Eu, por mim, votarei em d. Afonso
Henriques (1109-1187). Sim, ele está
na lista. E nosso primeiro rei não
tem culpa alguma do estado democrático em que se encontram as viúvas da aldeia.
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