São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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Livro traz de volta um Irvine Welsh impetuoso

Sai no Brasil "As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs", do autor escocês

Em entrevista, escritor explica como os seus personagens são fruto da era Blair e relembra a época de "Trainspotting"

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

As primeira linhas de "As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs" são preenchidas por:
"- É A PORRA DO CLASH! -a garota de cabelo verde gritou na cara do grandalhão de olhos pétreos que a empurrou de volta à cadeira.
- E isso é a porra de um cinema -ele falou para ela."
"As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs" certamente desapontará o leitor à espera de, bem, revelações íntimas de grandes chefs ou um enredo que envolva a alta gastronomia -mas trata-se de um livro saboroso, temperado com a escrita impetuosa de Irvine Welsh.
Autor de mais de uma dezena de obras (entre romances, coleções de contos e peças), o escritor escocês de 49 anos ainda é mais conhecido por seu primeiro lançamento, "Trainspotting", de 1993 (foi editado no Brasil em 2005, pela Rocco).
A mesma editora trouxe "Pornô" (2002 lá fora, 2006 no Brasil), uma espécie de seqüência de "Trainspotting", e, agora, "As Revelações Íntimas..." (saiu em 2006 no Reino Unido).
Edimburgo, cidade natal de Welsh e paisagem de seus principais livros, serve como pano de fundo para a história que tem os jovens e antagônicos Danny Skinner e Brian Kibby como principais personagens.
O primeiro é briguento, se dá bem com as mulheres, é bom bebedor e trabalha como agente de saúde do Conselho Municipal de Edimburgo, onde fiscaliza, entre outros locais, restaurantes finos da cidade.
Sua rotina é movimentada com a chegada de Kibby, sujeito pacato, introvertido, que coleciona trens de brinquedo.
É em torno da aversão de Skinner a Kibby, de seus diferentes modos de encarar a vida que Welsh focaliza sua tinta -ele cita a influência de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
"Kibby e Skinner são personagens da era Blair. Eles têm de arcar com as conseqüências de "fazer parte", em vez de "serem excluídos", como na era Thatcher. Eles são dois garotos de classe baixa trabalhando em empregos da classe média, ambos tentando levar a vida de formas diferentes", diz Welsh à Folha, por e-mail. "A metáfora da dualidade de Jekyll e Hyde é algo importante na literatura, e eu queria explorá-la no livro."
(E mesmo após a era Blair e a chegada do novo primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, ele não se mostra muito esperançoso: "É difícil dizer o quanto Brown mudou. Talvez o problema é que ele tenha herdado o sistema corrupto de Blair. O povo britânico queria uma chance para punir Blair nas eleições, mas ele fugiu da questão, então Brown provavelmente enfrentará isso. É uma pena, pois os únicos beneficiados serão os conservadores e seu líder, um clone do Blair".)

Chefs-celebridades
Como muitos de seus personagens, a própria prosa de Welsh é propositadamente atarracada, rude, costurada por gírias e piadas que acertam o desnível social britânico. Um dos alvos é Alan de Fretais, renomado chef cujo restaurante tem suas instalações descritas como "uma merda de um chiqueiro" por Skinner.
Welsh não diz se o personagem foi inspirado em algum dos chefs-celebridades do Reino Unido, como Gordon Ramsey e Jamie Oliver. "Acho que a gastronomia tornou-se um negócio grande devido à nossa sociedade consumista e individualista e a um narcisismo decadente. Mas devemos prestar atenção no que comemos -é muito importante e um dos grandes prazeres da vida."

"Cool Britannia"
"As Revelações Íntimas..." foi recebido com certo entusiasmo na Europa, após fracassos de crítica, como "Filth" [Podridão; 1998] e "Glue" [Cola; 2001]. Seria um quase-retorno de Welsh à forma de "Trainspotting".
Em 1993, "Trainspotting" foi festejado pelo olhar mordaz e sem rodeios de jovens niilistas e deslocados. O culto aumentou em 1996, quando foi levado ao cinema por Danny Boyle e estrelado por Ewan McGregor.
À época, o Reino Unido vivia período cultural fértil, tanto na música (britpop) quanto na literatura (Nick Hornby, Will Self) e nas artes (Tracey Emin, Rachel Whiteread, Damien Hirst). O período foi batizado de "Cool Britannia".
"Sempre tivemos grandes coisas saindo dessas ilhas", opina Welsh, "então acho que o "Cool Britannia" foi encarado como o último bastião cultural britânico contra a globalização e a própria cultura mundial".

Excessos
Assim como muitos de seus personagens, Welsh tem as raízes nas classes trabalhadoras e não economizava no consumo de bebidas e drogas -pelo menos é como ele era descrito pela imprensa britânica.
"Todo mundo costumava beber e usar drogas nos anos 90 -incluindo a maioria dos jornalistas britânicos", ele responde. "Tive meus excessos, mas longe de estar sozinho. Agora tenho uma vida mais tranqüila. E isso não chegou a afetar minha maneira de escrever."
E não afetou mesmo. Casado, morando em Dublin, em "As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs" (432 págs.) Welsh mostra-se irrequieto e crítico de acomodações conformistas. E continua um ávido fã de rock and roll. "Ainda ouço música o tempo inteiro. Neste momento, estou ouvindo [a banda] The Republic of Loose."


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