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Livro traz de volta um Irvine Welsh impetuoso
Sai no Brasil "As Revelações Íntimas dos Grandes Chefs", do autor escocês
Em entrevista, escritor explica como os seus
personagens são fruto da era Blair e relembra a
época de "Trainspotting"
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
As primeira linhas de "As Revelações Íntimas dos Grandes
Chefs" são preenchidas por:
"- É A PORRA DO CLASH!
-a garota de cabelo verde gritou na cara do grandalhão de
olhos pétreos que a empurrou
de volta à cadeira.
- E isso é a porra de um cinema -ele falou para ela."
"As Revelações Íntimas dos
Grandes Chefs" certamente desapontará o leitor à espera de,
bem, revelações íntimas de
grandes chefs ou um enredo
que envolva a alta gastronomia
-mas trata-se de um livro saboroso, temperado com a escrita impetuosa de Irvine Welsh.
Autor de mais de uma dezena
de obras (entre romances, coleções de contos e peças), o escritor escocês de 49 anos ainda é
mais conhecido por seu primeiro lançamento, "Trainspotting", de 1993 (foi editado no
Brasil em 2005, pela Rocco).
A mesma editora trouxe
"Pornô" (2002 lá fora, 2006 no
Brasil), uma espécie de seqüência de "Trainspotting", e, agora,
"As Revelações Íntimas..." (saiu
em 2006 no Reino Unido).
Edimburgo, cidade natal de
Welsh e paisagem de seus principais livros, serve como pano
de fundo para a história que
tem os jovens e antagônicos
Danny Skinner e Brian Kibby
como principais personagens.
O primeiro é briguento, se dá
bem com as mulheres, é bom
bebedor e trabalha como agente de saúde do Conselho Municipal de Edimburgo, onde fiscaliza, entre outros locais, restaurantes finos da cidade.
Sua rotina é movimentada
com a chegada de Kibby, sujeito pacato, introvertido, que coleciona trens de brinquedo.
É em torno da aversão de
Skinner a Kibby, de seus diferentes modos de encarar a vida
que Welsh focaliza sua tinta
-ele cita a influência de Dr.
Jekyll e Mr. Hyde.
"Kibby e Skinner são personagens da era Blair. Eles têm de
arcar com as conseqüências de
"fazer parte", em vez de "serem
excluídos", como na era Thatcher. Eles são dois garotos de
classe baixa trabalhando em
empregos da classe média, ambos tentando levar a vida de
formas diferentes", diz Welsh à
Folha, por e-mail. "A metáfora
da dualidade de Jekyll e Hyde é
algo importante na literatura, e
eu queria explorá-la no livro."
(E mesmo após a era Blair e a
chegada do novo primeiro-ministro trabalhista, Gordon
Brown, ele não se mostra muito
esperançoso: "É difícil dizer o
quanto Brown mudou. Talvez o
problema é que ele tenha herdado o sistema corrupto de
Blair. O povo britânico queria
uma chance para punir Blair
nas eleições, mas ele fugiu da
questão, então Brown provavelmente enfrentará isso. É
uma pena, pois os únicos beneficiados serão os conservadores
e seu líder, um clone do Blair".)
Chefs-celebridades
Como muitos de seus personagens, a própria prosa de
Welsh é propositadamente
atarracada, rude, costurada por
gírias e piadas que acertam o
desnível social britânico. Um
dos alvos é Alan de Fretais, renomado chef cujo restaurante
tem suas instalações descritas
como "uma merda de um chiqueiro" por Skinner.
Welsh não diz se o personagem foi inspirado em algum dos
chefs-celebridades do Reino
Unido, como Gordon Ramsey e
Jamie Oliver. "Acho que a gastronomia tornou-se um negócio grande devido à nossa sociedade consumista e individualista e a um narcisismo decadente. Mas devemos prestar
atenção no que comemos -é
muito importante e um dos
grandes prazeres da vida."
"Cool Britannia"
"As Revelações Íntimas..." foi
recebido com certo entusiasmo
na Europa, após fracassos de
crítica, como "Filth" [Podridão;
1998] e "Glue" [Cola; 2001]. Seria um quase-retorno de Welsh
à forma de "Trainspotting".
Em 1993, "Trainspotting" foi
festejado pelo olhar mordaz e
sem rodeios de jovens niilistas
e deslocados. O culto aumentou em 1996, quando foi levado
ao cinema por Danny Boyle e
estrelado por Ewan McGregor.
À época, o Reino Unido vivia
período cultural fértil, tanto na
música (britpop) quanto na literatura (Nick Hornby, Will
Self) e nas artes (Tracey Emin,
Rachel Whiteread, Damien
Hirst). O período foi batizado
de "Cool Britannia".
"Sempre tivemos grandes
coisas saindo dessas ilhas", opina Welsh, "então acho que o
"Cool Britannia" foi encarado
como o último bastião cultural
britânico contra a globalização
e a própria cultura mundial".
Excessos
Assim como muitos de seus
personagens, Welsh tem as raízes nas classes trabalhadoras e
não economizava no consumo
de bebidas e drogas -pelo menos é como ele era descrito pela
imprensa britânica.
"Todo mundo costumava beber e usar drogas nos anos 90
-incluindo a maioria dos jornalistas britânicos", ele responde. "Tive meus excessos, mas
longe de estar sozinho. Agora
tenho uma vida mais tranqüila.
E isso não chegou a afetar minha maneira de escrever."
E não afetou mesmo. Casado,
morando em Dublin, em "As
Revelações Íntimas dos Grandes Chefs" (432 págs.) Welsh
mostra-se irrequieto e crítico
de acomodações conformistas.
E continua um ávido fã de rock
and roll. "Ainda ouço música o
tempo inteiro. Neste momento, estou ouvindo [a banda] The
Republic of Loose."
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