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Comida
"Rainha do Brasil"
Documentário sobre produtor de farinha-d'água participa de seção do Festival de Berlim ; mandioca é foco de projeto da idealizadora
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Benedito Batista da Silva, o
seu Bené, é um produtor de farinha-d'água que até pouco
tempo atrás só havia saído de
Bragança, interior do Pará, para ir a Belém. De um avião, nunca tinha nem chegado perto.
Há dois anos, o ofício de
transformar mandioca na pedaçuda farinha fez dele personagem de um curta documental e o levou a Turim, na Itália,
para participar de um congresso de pequenos agricultores.
Agora, o resultado dessa incursão o conduz novamente à Europa. Só que, desta vez, direto
para a tela grande.
Idealizado e produzido pela
chef carioca Teresa Corção e
dirigido por Manoel Carvalho,
o documentário "Seu Bené Vai
pra Itália" foi selecionado para
a segunda edição do Culinary
Cinema -°Expanding Our Horizons (cinema culinário - expandindo nossos horizontes), programa do 58º Festival de Berlim. A mostra, que tem ainda
outro brasileiro, "Estômago",
de Marcos Jorge, acontece entre 11 e 15 de fevereiro.
"É emoção total e absoluta.
Imprimi o e-mail com o convite
para colocar na parede", diz Teresa Corção, 52, que assina o argumento do documentário.
O embrião de "Seu Bené Vai
pra Itália" (2006) foi um curta
de nove minutos produzido
dois anos antes para ser uma
receita visual da farinha-d'água
-um dos vários subprodutos
da mandioca, chamada de "rainha do Brasil" pelo folclorista
Luís da Câmara Cascudo.
"Fiz o curta para dar uma palestra em Dallas. Queria mostrar aos americanos o que era a
mandioca", conta Corção. "Passei uma cantada no meu marido [o diretor Manoel Carvalho]
e fomos para o Pará com zero
de orçamento. Eu, sem dinheiro para produzir o filme, soube
que a farinhada durava três
dias. Propus comprar a produção sem saber quantos quilos
eram. Lá, descobri: 200 kg..."
A idéia para o segundo filme
surgiu de um convite do Slow
Food, do qual Corção faz parte,
para levar seu Bené e um grupo
de mandioqueiros ao Terra
Madre, encontro mundial promovido pelo movimento em
Turim e que congrega pequenos produtores de alimentos,
chefs de cozinha e acadêmicos.
Modesto do ponto de vista cinematográfico, o documentário tem o mérito de difundir um
produto genuinamente brasileiro e emparelhar as experiências adversas vividas pelo personagem. Há o prazer em descobrir o novo (país, pessoas, comidas) e, ao mesmo tempo, o
embaraço de estar em um território completamente estranho.
"Ficamos preocupados com
as possíveis mudanças na vida
dele. Quando ele me perguntou, na Itália, se ia ter banda de
música o esperando na volta, eu
fiquei agoniada. Falei: "Seu Bené, o senhor sabe que o que está
fazendo aqui é representar todos que ficaram lá. A festa tem
que ser na sua cabeça"."
De volta a Bragança, ele não
encontrou banda, mas ficou popular e triplicou as vendas -de
200 kg para 600 kg. Em contrapartida, recebeu a missão de retomar a associação dos produtores artesanais de farinha-d'água empaneirada -nome dado
ao produto que é acondicionado em paneiros, cestos tecidos
com talo de arumã.
Instituto Maniva
Identificar os lugares de excelência na produção de mandioca é uma das ambiciosas (e
bem-vindas) metas do Instituto Maniva, organização fundada no último ano pela chef.
"A missão mais difícil do instituto é motivar os produtores.
Temos uma antena chamada
mercado, e eles, a raiz", diz Corção, que desde 2002 tem um
projeto focado no tubérculo.
Outra frente de atuação do
instituto, além da agrícola e da
cultural, é a educacional, com a
continuidade das oficinas de
tapioca em escolas públicas.
"Gosto de imaginar que, se tivéssemos uma bandeira como a
do Canadá, nossa folha de maple seria uma folha de mandioca", diz Corção. "Afinal, ela é o
produto nacional que sustentou e ainda sustenta a nação."
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