São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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Comida

"Rainha do Brasil"

Documentário sobre produtor de farinha-d'água participa de seção do Festival de Berlim ; mandioca é foco de projeto da idealizadora

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Benedito Batista da Silva, o seu Bené, é um produtor de farinha-d'água que até pouco tempo atrás só havia saído de Bragança, interior do Pará, para ir a Belém. De um avião, nunca tinha nem chegado perto.
Há dois anos, o ofício de transformar mandioca na pedaçuda farinha fez dele personagem de um curta documental e o levou a Turim, na Itália, para participar de um congresso de pequenos agricultores. Agora, o resultado dessa incursão o conduz novamente à Europa. Só que, desta vez, direto para a tela grande.
Idealizado e produzido pela chef carioca Teresa Corção e dirigido por Manoel Carvalho, o documentário "Seu Bené Vai pra Itália" foi selecionado para a segunda edição do Culinary Cinema -°Expanding Our Horizons (cinema culinário - expandindo nossos horizontes), programa do 58º Festival de Berlim. A mostra, que tem ainda outro brasileiro, "Estômago", de Marcos Jorge, acontece entre 11 e 15 de fevereiro.
"É emoção total e absoluta. Imprimi o e-mail com o convite para colocar na parede", diz Teresa Corção, 52, que assina o argumento do documentário.
O embrião de "Seu Bené Vai pra Itália" (2006) foi um curta de nove minutos produzido dois anos antes para ser uma receita visual da farinha-d'água -um dos vários subprodutos da mandioca, chamada de "rainha do Brasil" pelo folclorista Luís da Câmara Cascudo.
"Fiz o curta para dar uma palestra em Dallas. Queria mostrar aos americanos o que era a mandioca", conta Corção. "Passei uma cantada no meu marido [o diretor Manoel Carvalho] e fomos para o Pará com zero de orçamento. Eu, sem dinheiro para produzir o filme, soube que a farinhada durava três dias. Propus comprar a produção sem saber quantos quilos eram. Lá, descobri: 200 kg..."
A idéia para o segundo filme surgiu de um convite do Slow Food, do qual Corção faz parte, para levar seu Bené e um grupo de mandioqueiros ao Terra Madre, encontro mundial promovido pelo movimento em Turim e que congrega pequenos produtores de alimentos, chefs de cozinha e acadêmicos.
Modesto do ponto de vista cinematográfico, o documentário tem o mérito de difundir um produto genuinamente brasileiro e emparelhar as experiências adversas vividas pelo personagem. Há o prazer em descobrir o novo (país, pessoas, comidas) e, ao mesmo tempo, o embaraço de estar em um território completamente estranho.
"Ficamos preocupados com as possíveis mudanças na vida dele. Quando ele me perguntou, na Itália, se ia ter banda de música o esperando na volta, eu fiquei agoniada. Falei: "Seu Bené, o senhor sabe que o que está fazendo aqui é representar todos que ficaram lá. A festa tem que ser na sua cabeça"."
De volta a Bragança, ele não encontrou banda, mas ficou popular e triplicou as vendas -de 200 kg para 600 kg. Em contrapartida, recebeu a missão de retomar a associação dos produtores artesanais de farinha-d'água empaneirada -nome dado ao produto que é acondicionado em paneiros, cestos tecidos com talo de arumã.

Instituto Maniva
Identificar os lugares de excelência na produção de mandioca é uma das ambiciosas (e bem-vindas) metas do Instituto Maniva, organização fundada no último ano pela chef.
"A missão mais difícil do instituto é motivar os produtores. Temos uma antena chamada mercado, e eles, a raiz", diz Corção, que desde 2002 tem um projeto focado no tubérculo.
Outra frente de atuação do instituto, além da agrícola e da cultural, é a educacional, com a continuidade das oficinas de tapioca em escolas públicas.
"Gosto de imaginar que, se tivéssemos uma bandeira como a do Canadá, nossa folha de maple seria uma folha de mandioca", diz Corção. "Afinal, ela é o produto nacional que sustentou e ainda sustenta a nação."

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