São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

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O CAMINHO DAS ÍNDIAS

Temática de minorias perde espaço para cinema tradicional

Saudade e nacionalismo inspiram lucro de Bollywood

DO "FINANCIAL TIMES"

O domínio de Karan Johar, 31, sobre a forma é irônico. Muitos acreditavam que uma Índia mais aberta, com oportunidades de financiamento mais amplas, produziria uma nova geração de filmes "crossover", tratando das questões das minorias indianas e dirigidos às audiências de fora do país, e não só aos indianos e indianos expatriados. O fato de que essa nova onda não tenha se enraizado e tenha acabado derrotada nos lucrativos mercados externos por uma forma tradicional de cinema causa controvérsia.
"O cinema de Johar retrata uma Índia retrógrada e homogeneizada", diz Dev Benegal, diretor de filmes "crossover" que trabalha em Mumbai. Benegal se sente especialmente decepcionado porque Johar conta com a lealdade das grandes platéias e dispõe dos orçamentos necessários a assumir riscos. "O que temos nos filmes dele é orgulho indiano açucarado e uma visão antiquada da família, das mulheres e dos relacionamentos. Ele opera com um conceito transnacional quanto ao que é indiano, cujo objetivo é satisfazer os expatriados. É regressivo."
Johar não mostra arrependimento. "Meu cinema é o que desejo que a vida seja. Não me importa que tipo de indiano retrato. Sim, removo os detalhes [da vida], mas confio na estabilidade emocional dos meus personagens para carregar o filme. É isso que me vincula a milhões de pessoas. Determinar se estou certo ou errado não é tarefa que me caiba."
Ele prossegue: "O que é cinema "crossover'?". "Lagaan", dirigido e estrelado por Aamir Khan, pode ter conquistado indicação ao Oscar dois anos atrás, mas não é possível dizer que seja um filme desse movimento, dado seu conteúdo colonial obscuro [críquete e o império britânico]. "Se um indiano quiser fazer um musical diferenciado, corre o risco de perder a audiência indiana no exterior."
Existem exemplos de sucesso do cinema "crossover", mas na direção oposta. Os filmes de Mira Nair ("Um Casamento à Indiana"), radicada nos EUA, e Gurinder Chada ("Driblando o Destino"), um britânico de origem asiática, revelaram as idiossincrasias dos indianos expatriados com sensibilidade e humor. A verdade, como Johar insinua, é que talvez a Índia ainda não tenha cineastas "crossover". "Nossos filmes mais deliberadamente inovadores não atraíram estrangeiros. Talvez o façam daqui a uma década, quando a audiência dos cinemas de arte os digerir."
Isso significa que, no momento, o mercado externo provavelmente continuará a ser atendido por Bollywood. O veterano cineasta Yash Chopra apontou que uma única exibição em Londres pode render mais do que uma semana em cartaz em uma sala no interior da Índia. Isso pode influenciar o conteúdo de um filme, bem como sua posição econômica.
Johar identifica "indianos simples e morando fora do país, que nem sequer entendem o hindi, mas ainda assim vêem meus filmes", como excelente material para roteiro. A emoção só emergiu nos anos 80, quando os emigrantes encontraram sua voz. A saudade e o nacionalismo conservador deu aos cineastas um novo tema e muitas bilheterias.
Após três filmes de sucesso, Johar está pronto para algo novo. Reluta em revelar que caminho tomará. "Mas quero me desafiar com algo diferente. Por isso estou lendo muito. Não pesquisei para os filmes anteriores porque os personagens vinham do meu mundo. Agora, é preciso", diz, segurando um documento que começa, intrigantemente, com as palavras "Índia e Paquistão".


Tradução Paulo Migliacci

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