São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2004

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CINEMA

Novos romances americanos misturam ficção com cultura paparazzi de forma divertida, mas superficial e traiçoeira

Calúnias e segredos fantasiam Hollywood

CARYN JAMES
DO "NEW YORK TIMES"

O trabalho real de fazer cinema é feito nos estúdios de Hollywood, por trás de falsas fachadas "adoravelmente normais": "uma reciclagem traiçoeira, maldosa, cínica, de apunhalar pelas costas", nas palavras da narradora do romance recente de Elisabeth Robinson.
A notícia não chega a constituir novidade. A avaliação intransigente da indústria do cinema constitui o aspecto menos original do livro de Robinson, "The True and Outstanding Adventures of the Hunt Sisters", uma história hilária e comovente sobre uma produtora de cinema que se esforça para conseguir a luz verde para filmar "Dom Quixote", ao mesmo tempo em que sua irmã combate um câncer.
"The Hunt Sisters" faz parte de uma enxurrada de trabalhos de ficção sobre Hollywood, produtos da era do ""infotainment" (informação + entretenimento). Com todo mundo, mantendo leitores e espectadores a par de todos os negócios recentes envolvendo cinema e todas as cifras de bilheteria, o leitor leigo acaba nutrindo a ilusão de estar por dentro do showbiz. Alimentando essa fantasia, os romances sobre Hollywood focalizam personagens dos bastidores, tais como produtores, agentes e assessores publicitários.
Previsivelmente, a maior parte dessa ficção é superficial e caluniosa -divertida, mas superficial e caluniosa. De vez em quando, um trabalho literário vai um pouco mais fundo, apreendendo o que o estrelato significa para nós. "The Hunt Sisters" e "My Last Movie Star", este último de Martha Sherrill, transmitem a atração sempre presente do cinema. Mas todos eles informam a nós, leitores antenados, que Hollywood é um lugar ainda mais mesquinho e maldoso do que imaginávamos.
Esses romances são alimentados por um fluxo constante de livros de não-ficção sobre Hollywood, os chamados livros de "infotainment".
"Down and Dirty Pictures: Miramax, Sundance and the Rise of Independent Film", do jornalista Peter Biskind, é um trabalho de história exaustivamente reportado. "Hollywood Animal: A Memoir", do roteirista Joe Eszterhas, são 736 páginas de autocomplacência. Ambos são livros feitos de revelações impiedosas-e ambos são best-sellers.
"Down and Dirty Pictures" desmascara os dois principais responsáveis pela nova Hollywood do cinema independente, detraindo a imagem mais difundida deles. Robert Redford, na condição de fundador do Festival de Cinema Sundance, é o anjo bom. Harvey Weinstein é o anjo mau, luciferiano. Na versão de Biskind, ambos são egomaníacos e controladores ao extremo.
O que chama a atenção, porém, não é que Biskind tenha conseguido que fontes normalmente anônimas se identificassem para relatar histórias contra a Miramax ou Redford. São os detalhes, tão pitorescos que soam como ficção.
Numa cena relatada por uma fonte não identificada, vemos uma das jovens e assustadas assistentes de Weinstein nos bastidores de um evento de levantamento de fundos para o Partido Democrata, tentando impedir que Harrison Ford e Jimmy Buffett ocupem cadeiras que ela estava guardando para seu patrão.
O livro de memórias de Eszterhas relata sua evolução de rapaz inocente de Cleveland para monstro de Hollywood. Seu livro, que parece ter sido escrito para acertar contas, inclui pilhas de dinheiro e quantidades monstruosas de fel. Não nos interessa sua rixa antiga com o agente antigamente poderoso Mike Ovitz. É mais provável que os leitores se recordem da noite que Eszterhas passou com Sharon Stone.
A nova onda de romances de Hollywood se alimenta desse tipo de detalhe malicioso, da identificação de nomes -mais uma emoção barata proporcionada pela terra do cinema.
Em "Death by Hollywood", história descompromissada sobre assassinato assinada por Steven Bochco, o narrador é o agente de um roteirista que vai almoçar no Grill e olha para as mesas de poderosos que o cercam. "Em qualquer dia da semana você vê pessoas como Barry Diller, Brian Grazer ou Brad Grey por aqui", diz ele, dando preferência a magnatas e produtores, em lugar de gente de importância menor como Sophia Loren ou Anthony Hopkins. Vale lembrar que o próprio Bochco, produtor de programas como "NYPD Blue", possui um nome conhecido, fato que deve tê-lo ajudado a conseguir que seu romance fosse publicado.
No leve mas divertido "So 5 Minutes Ago", de Hilary de Vries, o narrador é o agente publicitário sem importância de um ator, cujo assistente ainda menos importante odeia Charlize Theron porque "ela o tratou mal numa sessão de fotos". O assistente fala: "Não vejo a hora de Harvey Weinstein parar de retornar as ligações de Charlize e ela ter uma parada cardíaca".
As personas fictícias de Weinstein se multiplicam. Sua empresa, a Miramax Books, comprou "The Twins of TriBeCa", um "roman à clef" escrito por Rachel Pine, antiga funcionária da Miramax, no qual Harvey e Bob Weinstein viram os fictícios Phil e Tony Waxman. Relatos publicados descrevem a empresa do romance como sendo maldosamente semelhante à Miramax, com funcionários maltratados impelidos à quase loucura e uma figura tipo Gwyneth Paltrow passando incólume por tudo. Cínicos nos setores de livros e cinematográfico especulam que a Miramax pode ter comprado o romance (previsto para sair em 2005) não para promovê-lo, mas para enterrá-lo; a Miramax nega.
Bruce Wagner fica a meio caminho entre o superficial e o literário em "Still Holding", a última parte de sua trilogia sobre o telefone celular. É um livro de ficção que cita muitos nomes famosos, mas zomba do hábito de citar nomes famosos. A figura central é Kit Lightfoot, um astro loiro que guarda semelhança marcante com Brad Pitt e cuja namorada é estrela de uma "sitcom" que guarda semelhança marcante com "Friends". Convertido ao budismo, Lightfoot mente quando fala sobre há quanto tempo medita e convida seus amigos a irem "ao rancho de Harrison, em Jackson Hole, com Calista, Ben [Affleck] e Jennifer [Lopez]" (Bennifer? O prazo de validade da ficção hollywoodiana é curtíssimo).


Tradução de Clara Allain


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