|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Novos romances americanos misturam ficção com cultura paparazzi de forma divertida, mas superficial e traiçoeira
Calúnias e segredos fantasiam Hollywood
CARYN JAMES
DO "NEW YORK TIMES"
O trabalho real de fazer cinema
é feito nos estúdios de Hollywood,
por trás de falsas fachadas "adoravelmente normais": "uma reciclagem traiçoeira, maldosa, cínica,
de apunhalar pelas costas", nas
palavras da narradora do romance recente de Elisabeth Robinson.
A notícia não chega a constituir
novidade. A avaliação intransigente da indústria do cinema
constitui o aspecto menos original do livro de Robinson, "The
True and Outstanding Adventures of the Hunt Sisters", uma história hilária e comovente sobre
uma produtora de cinema que se
esforça para conseguir a luz verde
para filmar "Dom Quixote", ao
mesmo tempo em que sua irmã
combate um câncer.
"The Hunt Sisters" faz parte de
uma enxurrada de trabalhos de
ficção sobre Hollywood, produtos
da era do ""infotainment" (informação + entretenimento). Com
todo mundo, mantendo leitores e
espectadores a par de todos os negócios recentes envolvendo cinema e todas as cifras de bilheteria, o
leitor leigo acaba nutrindo a ilusão de estar por dentro do showbiz. Alimentando essa fantasia, os
romances sobre Hollywood focalizam personagens dos bastidores, tais como produtores, agentes
e assessores publicitários.
Previsivelmente, a maior parte
dessa ficção é superficial e caluniosa -divertida, mas superficial
e caluniosa. De vez em quando,
um trabalho literário vai um pouco mais fundo, apreendendo o
que o estrelato significa para nós.
"The Hunt Sisters" e "My Last
Movie Star", este último de Martha Sherrill, transmitem a atração
sempre presente do cinema. Mas
todos eles informam a nós, leitores antenados, que Hollywood é
um lugar ainda mais mesquinho e
maldoso do que imaginávamos.
Esses romances são alimentados por um fluxo constante de livros de não-ficção sobre Hollywood, os chamados livros de "infotainment".
"Down and Dirty Pictures: Miramax, Sundance and the Rise of
Independent Film", do jornalista
Peter Biskind, é um trabalho de
história exaustivamente reportado. "Hollywood Animal: A Memoir", do roteirista Joe Eszterhas,
são 736 páginas de autocomplacência. Ambos são livros feitos de
revelações impiedosas-e ambos
são best-sellers.
"Down and Dirty Pictures" desmascara os dois principais responsáveis pela nova Hollywood
do cinema independente, detraindo a imagem mais difundida
deles. Robert Redford, na condição de fundador do Festival de Cinema Sundance, é o anjo bom.
Harvey Weinstein é o anjo mau,
luciferiano. Na versão de Biskind,
ambos são egomaníacos e controladores ao extremo.
O que chama a atenção, porém,
não é que Biskind tenha conseguido que fontes normalmente anônimas se identificassem para relatar histórias contra a Miramax ou
Redford. São os detalhes, tão pitorescos que soam como ficção.
Numa cena relatada por uma
fonte não identificada, vemos
uma das jovens e assustadas assistentes de Weinstein nos bastidores de um evento de levantamento de fundos para o Partido Democrata, tentando impedir que
Harrison Ford e Jimmy Buffett
ocupem cadeiras que ela estava
guardando para seu patrão.
O livro de memórias de Eszterhas relata sua evolução de rapaz
inocente de Cleveland para monstro de Hollywood. Seu livro, que
parece ter sido escrito para acertar contas, inclui pilhas de dinheiro e quantidades monstruosas de
fel. Não nos interessa sua rixa antiga com o agente antigamente
poderoso Mike Ovitz. É mais provável que os leitores se recordem
da noite que Eszterhas passou
com Sharon Stone.
A nova onda de romances de
Hollywood se alimenta desse tipo
de detalhe malicioso, da identificação de nomes -mais uma
emoção barata proporcionada
pela terra do cinema.
Em "Death by Hollywood", história descompromissada sobre
assassinato assinada por Steven
Bochco, o narrador é o agente de
um roteirista que vai almoçar no
Grill e olha para as mesas de poderosos que o cercam. "Em qualquer dia da semana você vê pessoas como Barry Diller, Brian
Grazer ou Brad Grey por aqui",
diz ele, dando preferência a magnatas e produtores, em lugar de
gente de importância menor como Sophia Loren ou Anthony
Hopkins. Vale lembrar que o próprio Bochco, produtor de programas como "NYPD Blue", possui
um nome conhecido, fato que deve tê-lo ajudado a conseguir que
seu romance fosse publicado.
No leve mas divertido "So 5 Minutes Ago", de Hilary de Vries, o
narrador é o agente publicitário
sem importância de um ator, cujo
assistente ainda menos importante odeia Charlize Theron porque
"ela o tratou mal numa sessão de
fotos". O assistente fala: "Não vejo
a hora de Harvey Weinstein parar
de retornar as ligações de Charlize
e ela ter uma parada cardíaca".
As personas fictícias de Weinstein se multiplicam. Sua empresa,
a Miramax Books, comprou "The
Twins of TriBeCa", um "roman à
clef" escrito por Rachel Pine, antiga funcionária da Miramax, no
qual Harvey e Bob Weinstein viram os fictícios Phil e Tony Waxman. Relatos publicados descrevem a empresa do romance como
sendo maldosamente semelhante
à Miramax, com funcionários
maltratados impelidos à quase
loucura e uma figura tipo
Gwyneth Paltrow passando incólume por tudo. Cínicos nos setores de livros e cinematográfico especulam que a Miramax pode ter
comprado o romance (previsto
para sair em 2005) não para promovê-lo, mas para enterrá-lo; a
Miramax nega.
Bruce Wagner fica a meio caminho entre o superficial e o literário
em "Still Holding", a última parte
de sua trilogia sobre o telefone celular. É um livro de ficção que cita
muitos nomes famosos, mas
zomba do hábito de citar nomes
famosos. A figura central é Kit
Lightfoot, um astro loiro que
guarda semelhança marcante
com Brad Pitt e cuja namorada é
estrela de uma "sitcom" que guarda semelhança marcante com
"Friends". Convertido ao budismo, Lightfoot mente quando fala
sobre há quanto tempo medita e
convida seus amigos a irem "ao
rancho de Harrison, em Jackson
Hole, com Calista, Ben [Affleck] e
Jennifer [Lopez]" (Bennifer? O
prazo de validade da ficção hollywoodiana é curtíssimo).
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Artigo: Defesa de conteúdo brasileiro aproxima cinema e TV Próximo Texto: Crítica: Carnaval baiano não combina com TV Índice
|