São Paulo, sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

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ÚLTIMA MODA
EM MILÃO

A POESIA SUBLIME E SUPERMODERNA
de Raf Simons

Deve ser um sinal de decadência da Itália que a sua personalidade de maior influência cultural no mundo, hoje, seja uma estilista: Miuccia Prada. Mas que divertida decadência para o país de Ungaretti, Calvino e Pasolini. De toda a grande cultura italiana, o que resta ainda um pouco vivo e relevante são as roupas -que os italianos sabem fazer como poucos. E, no terreno das roupas, Miuccia Prada é a grande papisa, menos por aquilo que ela produz e mais pela maneira como define atitudes, entrelaçando a moda com as artes, o comportamento e até com a política. Cada coleção sua é aguardada como se esperava nos anos 60 um filme de Antonioni: uma nova visão de mundo se descortina a cada temporada.
Não foi muito diferente neste prêt-à-porter de outono-inverno em Milão, que começou no domingo e vai até amanhã. "Já fomos longe demais no nosso conformismo", disse Miuccia Prada à imprensa italiana. Sendo assim, ela fez um libelo em favor da mulher inconformista (elementos do hip hop e do grunge), cuja sensualidade tem traços de selvageria (estampas de peles de animais) e que é voltada para a vida intelectual (conjuntos austeros, e modelos carregando livros e cadernos!). As roupas surgiam como composições paradoxais, misturando agressividade e encanto, rua e salão, luxo e despojamento, como nas peles usadas de maneira antiglamourosa.
O impacto da Prada só não foi maior em Milão porque houve antes um desfile sublime: o de Raf Simons para a marca Jil Sander. Foi o primeiro trabalho do estilista belga de 38 anos para a grife de origem alemã -que hoje é propriedade da Prada. A coleção deve se tornar um dos eixos do estilo do próximo inverno.
Simons trabalhou basicamente com branco e preto. Abriu o desfile com uma série de ternos de tipo masculino. Depois, vieram paletós do mesmo tipo, usados com saias acima do joelho ou longas, até os pés. Parecia severo demais, puritano em excesso, mas aos poucos o branco e os vestidos foram se impondo na passarela, criando uma magia inexplicável por meio de silhuetas muito leves, sem efeito nenhum, fruto de um conceito exato e de um design genial. Os vestidos acabaram roubando a cena, ao insuflarem uma elegância e uma sensualidade supermodernas na coleção -nem "sexy" nem "burguesa". Foi um verdadeiro momento de poesia.
No campo da prosa, Giorgio Armani mostrou uma coleção muito sensual e glamourosa que evocava mais as estrelas do cinema dos anos 50-60 do que a mulher executiva que ele concebeu nos 80. Uma certa atmosfera nostálgica também tomou conta das roupas da Ferragamo, muito sofisticadas, mas sem novidades (exceto as bolsas, que deixaram as fashionistas loucas).
Além do sentimento retrô e da hegemonia do vestido, uma forte sobriedade tomou conta dos primeiros dias em Milão, com as cores escuras (o preto, sobretudo) e roupas muito estruturadas. A nota dissonante veio da D & G, num desfile divertido que teve até Papai Noel e com uma coleção jovial, hiperbólica e muito erotizada, com shortinhos radicais para o inverno.

EM LONDRES

A capital do ecletismo fashion

Londres é uma das cidades mais vibrantes e com mais personalidade do planeta, mas a London Fashion Week é ainda um evento em busca de seu lugar no mundo. Sem a tradição e o renome de Milão e Paris e sem a força comercial de Nova York, a semana de moda londrina ainda não encontrou o seu papel na geopolítica da moda -o que se reflete no trabalho de boa parte dos estilistas.
Na busca de afirmação, o aval americano é um dos mais importantes hoje. Por isso, teve grande impacto na abertura da London Fashion Week a visita da ultrapoderosa editora da Vogue americana, Anna Wintour, que é inglesa. Depois de quatro anos, Wintour voltou à velha Albion para ver alguns desfiles e organizar a mostra Anglomania, que apresentará a moda britânica aos americanos.
A exposição em maio no Metropolitan Museum of Art, da qual Wintour é conselheira, será fundamental para ressaltar a contribuição da Grã-Bretanha para a moda neste século, que não é pequena -basta pensar no ótimo Charles James (que atuou nos EUA), em Mary Quant, em Vivienne Westwood e no punk.
Londres também tem ótimos nomes a mostrar na atualidade, conforme se viu nesta temporada. A coleção de Basso & Brooke, formada pelo brasileiro Bruno Basso e pelo britânico Christopher Brooke, fez um mix forte, irônico e inteligente do severo estilo vitoriano com iconografias da ficção científica. Paul Smith tem sempre a qualidade de ir direto no nervo da elegância londrina burguesa. O jovem Gareth Pugh, 25, deu o toque de radicalidade pop, com seus volumes ousados e caricatos.
A excelente alfaiataria, a atenção ao estilo das ruas e sobretudo o modo muito livre e transgressor de lidar com a moda são as melhores qualidades da moda britânica. Hoje, pode-se acrescentar mais uma: é o prêt-à-porter mais eclético e multicultural, reunindo uma penca de estilistas de várias origens, desde a Índia até a Sérvia, desde Taiwan até o Brasil -como Daniela Helayel, da Issa.
A semana londrina, que começou com a americana Paris Hilton desfilando para Julien McDonald, acabou com o cantor Boy George e sua coleção divertida para a B-Rude. Uma das peças era uma camiseta estampada com a seguinte provocação: "Mas, diabos, quem é esta tal de Anna Wintour?".


ALCINO LEITE (Milão), com Viviane Whiteman - ultima.moda@folha.com.br

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