|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Perdidos no espaço
Chegam às lojas livros de três jovens poetas brasileiros que têm em comum um jeito nômade de trafegar pelo mundo
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os poetas estão mesmo perdidos no espaço-tempo. Quando se trata de Angélica Freitas,
Ricardo Domeneck e Marília
Garcia, porém, essa errância
espaço-temporal adquire gravidade ainda maior, graças ao
peso da geografia. Os livros recém-lançados dos três exalam
algo comum além da juventude
dos autores, um estado quase
nômade de trafegar pelo mundo sugerido nos poemas.
Não podia ser de outra maneira: Domeneck, 29, paulista
de Bebedouro, é DJ em Berlim.
Angélica Freitas, 33, "globetrotter" gaúcha nascida em Pelotas, está em permanente
trânsito pela América Latina. E
Marília Garcia, carioca de 25
anos, escreveu "20 Poemas para o Seu Walkman" entre um
deserto mexicano, as palmeiras
do Jardim Botânico e Nova
York. Apesar disso, não existe
nada mais anacrônico nos dias
atuais do que um poeta. Por outro lado, pode ser que exista: e
que tal três poetas juntos?
Numa de suas últimas entrevistas, João Cabral de Melo Neto afirmou não gostar da palavra "poeta": "Lembra um sujeito efeminado, compreende?",
disse. A generalização não é
mãe da verdade, mas admite
pensar: se um de nossos maiores vates deixava-se vitimizar
por preconceitos bobos, o que
dizer da grande maioria das
pessoas, aquelas que nunca ao
menos "abriram" um livro de
poesia? Que idéia podem fazer
do poeta, essa figura tão passadista e ausente do ranking de
celebridades deste século 21?
Parte da resposta está em "a
cadela sem Logos", segundo livro de Domeneck, autor que
tem angariado atenção por suas
intervenções críticas. Tradutor
de Lyn Hejinian e Rosmarie
Waldrop, entre outros poetas
americanos, e afeito a serializar
poemas que dialogam com a
pulsão ensaística a empurrar
adiante seus artigos, Domeneck não exclui coisas de seu
tempo dos textos ou seus textos
das coisas de seu tempo, num
claro desejo de intervenção à
beira da performance ou de um
ataque de nervos: "em berlim
preparo-me/ para um ex-amante/ na alexanderplatz e/
digo há um/ oceano entre sua/
perda e a/ minha/ não/ este
não é um/ desenredar-se/ mas
um/ progressivo/ imiscuir-se".
Ex-estudante de filosofia, sua
ânsia por dissipação (e há muito de erótico nisto) é igual à de
seus semelhantes, sujeitos da
mesma idade tencionando,
idem, desaparecer em meio à
tempestade eletrônica atual ou
apenas no banheiro dos fundos
junto de alguém.
Rimbaud sem bússola
Sumir no mapa de um país
inexistente é também o plano
de férias de Marília Garcia.
Narradora de viagens perceptíveis apenas de soslaio, os poemas de Marília se perdem em
baldeações que, às cegas, conduzem o leitor da Catalunha a
Paris e de lá ao infinito. Àquelas
sensações de perigo intenso vividas pelo viajante quando
atinge latitudes desconhecidas
sobrepõe-se o desvanecimento
dos personagens: "não sabe para onde vai/ para que direção/
segue a estrada/ no livro perdido apenas um/ nome". Uma
Rimbaud sem bússola sumindo
na lonjura? Parece ser o caso.
A poesia de Marília Garcia
aproxima-a de Angélica Freitas
através da legibilidade, essa
avis rara do mundo pós-poesia.
Existem nas duas poetas referências obscuras e tradicionais
piscadelas aos entendidos?
Claro que sim, mas nada que
comprometa a desorientação
anunciada pelos poemas.
Angélica Freitas, sob outro
viés, é uma poeta que sofre da
mesma urgência que Leminski
e Cacaso. Refiro-me, claro, à urgência do dizer, e não à de desaparecer precocemente. "Rilke
Shake", seu livro de estréia, traz
desde o nome uma ironia iconoclasta frente aos mestres da
poesia que se estende a Mallarmé ("você sabe quantas pessoas
morrem por ano/ em acidentes
com o mallarmé?") e a outros
("vamos nos livrar de ezra
pound?/ vamos nos livrar de
marianne moore?").
Com predileção pela série de
poemas (e não o verso ou o poema isolado que lhe sirva de base
narrativa), Angélica lembra a
poeta portuguesa Adília Lopes
e flerta com a popularidade.
Quem sabe não seja ela a permitir ao público reconhecer um
poeta à primeira vista? Aposto
que isso vai dar em paixão.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)
Texto Anterior: Horário nobre na TV Aberta Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|