São Paulo, quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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Segredo argentino

Forte candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro, longa de Juan José Campanella estreia sexta-feira no Brasil

Divulgação
Ricardo Darín, que faz quarto papel de protagonista em filmes do diretor

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

A tela da TV, em preto e branco, mostra homens de farda em imagem pouco nítida. Alguém toma uma providência e mexe no aparelho, consertando-o. Vê-se, então, em cores, os chefes militares argentinos exaltando a população a defender as ilhas Malvinas do ataque britânico, em 1982. Aplausos.
A cena está em "O Mesmo Amor, a Mesma Chuva", filme dirigido em 1999 pelo cineasta Juan José Campanella, 50, que acompanha as idas e vindas de um casal ao longo de quase 20 anos, em Buenos Aires, atravessando a ditadura, a redemocratização e os anos Menem.
Agora, o mais recente trabalho do cineasta, "O Segredo dos Seus Olhos", que estreia no Brasil no fim de semana, também convida os espectadores a uma viagem ao passado argentino e a uma reflexão sobre as reações daquela sociedade a eventos políticos locais.
A diferença é que Campanella (de "O Filho da Noiva") hoje é um diretor mais maduro e aprimorou o modo como entrelaça o drama vivido por seus personagens à história do país.
Os bons resultados foram imediatos. "O Segredo dos Seus Olhos" levou mais de 2,5 milhões de pessoas aos cinemas na Argentina, tornando-se o segundo filme mais visto ali nos últimos 35 anos. Acaba de ser premiado no Goya espanhol e está entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro.
Ao espectador brasileiro atento à nossa produção local, "Segredo" não deixará de intrigar. Por que não vemos um filme com essa qualidade feito por aqui? Pois o "segredo" de Campanella não é apenas mérito pessoal, mas também o fato de filiar-se a uma escola de cinema, a argentina, que, entre outras coisas, preza a qualidade de texto e não tem medo de expressar sentimentalismo.
A trama desta vez se passa em dois tempos. Nos dias de hoje e em 1974, durante o governo de Isabelita Perón. Um ex-oficial de Justiça (Ricardo Darín) resolve transformar o caso de um crime não esclarecido, ocorrido há 35 anos, em um romance. Enquanto segue as pistas do que aconteceu com os envolvidos, também se vê confrontado com a mulher por quem se apaixonou então (Soledad Villamil) e a quem jamais foi capaz de se revelar.
A história é baseada em novela policial do escritor Eduardo Sacheri. "O que mais me atraiu no enredo foi que se trata de uma obra de gênero, mas que não tem os condimentos clássicos deste. Os personagens são cotidianos, fáceis de se acreditar", contou o diretor à Folha, por telefone.
"Segredo" é uma mistura de thriller noir, comédia romântica e filme político. "Creio que proporciona uma experiência completa, de angústia, humor, amor, mistério. Meu exemplo é "Casablanca", uma obra em que o contexto da Segunda Guerra está lá, mas a percepção dos fatos se dá por acontecimentos menores. O cinema hoje abandonou esse tipo de narrativa."
Ao diretor parece ter feito muito bem trabalhar recentemente em seriados norte-americanos como "House", "Law & Order" e "30 Rock". É nítida a influência destes na amarração que faz dos diálogos e na agilidade das sequências.
Sobre o período escolhido, Campanella disse ter tencionado retratar uma época pouco explorada, a dos anos pré-ditadura. Foi um tempo de autoritarismo no plano do governo e de corrupção no da sociedade. É o que mostra o dia a dia do tribunal em que os personagens atuam e o que define a impunidade de um assassino.
"Há muita gente na Argentina hoje que pensa que os militares chegaram num disco voador e de repente estavam lá, cometendo atrocidades. Resolvi mostrar como era o país pouco antes disso, para expor como o ambiente era propício para que esse tipo de governo se implantasse. É o momento em que o mal estava sendo gestado, o ovo da serpente", conclui.


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