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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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CRÍTICA

Autor oscila entre a análise e a retórica

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando o ex-ditador chileno Augusto Pinochet foi detido em Londres, por ordem de um juiz espanhol que o acusava de crimes contra a humanidade, iniciou-se não apenas um intrincado imbróglio jurídico internacional, mas também uma discussão interminável sobre o destino dos déspotas genocidas no mundo contemporâneo.
O mérito maior do livro "O Longo Adeus a Pinochet", de Ariel Dorfman, é o de não se perder nos meandros legais do caso, chamando sempre a atenção para os sentidos políticos e simbólicos de seus desdobramentos.
As questões que interessam a Dorfman estão sintetizadas nos dois epílogos do livro. O primeiro, "A Sombra do Chile", resume o significado que tem para a reconstrução do país o processo contra Pinochet -um dos maiores ditadores do século, responsável pela tortura e morte de milhares de opositores.
No segundo epílogo, "O Longo Adeus aos Tiranos", o autor mostra como o caso Pinochet fez avançar a discussão sobre de que modo a comunidade internacional deve agir com os ditadores que "se aposentam" no exterior depois de praticar o genocídio em seus próprios países.
Para alguns críticos, esse tipo de justiça internacional teria o efeito de incentivar os ditadores a se perpetuarem no poder, uma vez que não contariam mais com a possibilidade de viver em segurança no exterior depois de deixar o poder.
Ariel Dorfman refuta esse argumento pela raiz. Para começar, diz o autor, não são os tiranos que decidem quando querem abandonar o poder: eles são forçados a isso por pressões internas e externas.
E o efeito da detenção de um genocida como Pinochet é, claramente, inibidor de comportamentos políticos semelhantes. O mundo passa a ser pequeno demais para que os ditadores possam se esconder.

Atrocidades
Essa discussão extremamente pertinente e atual vem entremeada, no livro de Dorfman, com os inevitáveis relatos de atrocidades cometidas pelo regime de Pinochet. Por mais importantes que eles sejam, há nesses depoimentos um certo ar de "déjà vu", uma estranha sensação de que eles acabam servindo a uma estranha espécie de catarse.
Somam-se a isso muitas passagens em que a objetividade do texto sucumbe aos clichês de uma certa retórica sentimental de esquerda.
Eis um exemplo: "A luz oculta dos homens e mulheres que deram suas vidas pela causa em que acreditavam não pode se extinguir assim, sem mais nem menos, enquanto houver uma só pessoa em algum lugar do mundo disposta a recordar seus mortos e ressuscitá-los".
Talvez a política latino-americana seja algo tão bárbaro e primitivo que torne inevitável o rebaixamento a uma dicção tão pobre. Afinal, até mesmo escritores muito maiores que Dorfman, como Gabriel García Márquez e Julio Cortázar, também sucumbiram ocasionalmente a ela.


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