São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2005

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Assombrações

Hollywood chama cineasta japonês para refazer seu "O Chamado 2", em versão "com mais sustos" para ocidentais

TETÉ RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

Conhecer o diretor Hideo Nakata é conhecer um pouco da árvore genealógica da chamada "nova onda do terror japonês". Hollywood vem consumindo o gênero desde que descobriu o filão, seja relançando os títulos originais por aqui, refilmando os maiores sucessos com mãos americanas ou, mais recentemente, chamando os autores dos títulos japoneses para refilmá-los nos EUA.
Nakata é um dos únicos que se encaixam nos três casos. Criou os sucessos "Ringu" e "Ringu 2", que deram origem ao blockbuster "O Chamado" (2002, US$ 250 milhões), e foi contratado para "O Chamado 2", que estréia amanhã.
A produção já estava em andamento quando o diretor foi contratado, e o único pedido dos americanos era que o filme não fosse tão "japonês" quanto o original. Por "japonês" entenda-se mais suspense do que a "pornografia do terror" que Hollywood gosta de fazer, em que o monstro, ou o que quer que seja que provoque medo, pula na frente das vítimas ou faz ameaças verbais.
"O Chamado 2" é um filme norte-americano, sim, mas com diretor japonês, e a mistura deu liga. Nakata fala em entrevista à Folha.
 

Folha - Por que o sr. resolveu dirigir este filme de novo?
Hideo Nakata -
O roteiro é novo e completamente diferente da minha versão. Eles nem precisavam ter comprado os direitos autorais. Tem algumas cenas de "Ringu 2" no "Chamado 2", mas é 100% novo. Li o roteiro e achei intrigante, coincidiu com uma vontade que já estava crescendo em mim de dirigir um filme aqui. Ainda quis fazer umas mudanças, explorar um pouco mais o passado da Samara, a menininha morta e assassina.

Folha - Qual a melhor versão?
Nakata -
É difícil responder. Amo fazer filmes e amo meus filmes... Mas gosto muito deste que acabei de fazer, acho que vai ser uma boa porta de entrada.

Folha - O que o sr. achou da primeira versão americana, dirigida por Gore Verbinski?
Nakata -
Gostei muito. Tem uma cena que não tinha no original que adoro, a do cavalo que enlouquece e se joga no mar. É ótima indicação do que pode acontecer.

Folha - O brasileiro Walter Salles dirigiu outra versão de filme seu, chamada "Dark Water". Já viu?
Nakata -
Não. E não estava envolvido nessa produção em nenhum aspecto. Li o roteiro, mas acho que o que me mostraram não era nem a versão final.

Folha - Mas o sr. o conhece?
Nakata -
Assisti a "Central do Brasil" e ao filme das motocicletas ["Diários de Motocicleta"], são interessantes.

Folha - Por estar lidando com uma audiência basicamente adolescente americana, o sr. teve que mudar muito "O Chamado 2"?
Nakata -
O filme é completamente diferente, o roteiro é outro. Acredito e espero que seja muito mais assustador que o japonês, pois fiz tudo para que isso acontecesse [risos]. Fiz esse filme pensando nos adolescentes americanos, ou melhor, nos adolescentes ocidentais, que são muito diferentes dos japoneses. Eles gostam de levar sustos, os japoneses preferem um clima de suspense em que, por exemplo, haja um fantasma numa sala, mas que você quase não consiga vê-lo, então não tem certeza absoluta do que é aquilo, mas parece que ele está bem perto da personagem principal. Dá para entender? São cenas um pouco mais vagas, que não funcionam com os ocidentais.

Folha - Por que a tal "nova onda" acontece justamente agora?
Nakata -
É cíclico. Temos uma tradição muito rica de histórias de fantasmas. Nos anos 50 e 60, houve uma safra muito boa de filmes de horror no Japão. Acho que todo mundo gosta de uma história assustadora, que provoca o que chamamos de uma experiência que gela o corpo. Infelizmente nos anos 70 e 80, os japoneses passaram a ser considerados imitadores sem estilo. Com "O Chamado" o mundo voltou a olhar com interesse para nosso terror, e voltamos a levar o gênero a sério.

Folha - É daí que vem o interesse de Hollywood pelo novo cinema asiático em geral?
Nakata -
Hollywood é uma indústria imensa e muito agressiva, que tem gente contratada para ver filmes do mundo inteiro para descobrir o que faz sucesso e trazer até os estúdios. Não são só os filmes japoneses que estão sendo refeitos, mas coreanos e de Hong Kong também. Dá a impressão que é uma moda passageira, mas é uma nova fase da indústria. Isso vai acontecer cada vez mais.

Folha - Onde será seu próximo filme? Em Hollywood ou no Japão?
Nakata -
Tenho alguns projetos em andamento aqui nos EUA e dois parecem que vão sair. Um é chamado "The Entity" [a entidade], uma refilmagem de um longa de Hollywood dos anos 80 -veja como a onda é cíclica e pendular. O outro se chama "Out", baseado num romance japonês homônimo, de Natsuo Kirino. Conta a história de quatro mulheres operárias que trabalham no turno da noite em uma fábrica. Uma delas mata o marido, e as quatro fazem um pacto para proteger a colega.


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