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MÚSICA ERUDITA
Pierre Boulez celebra Bartók e cresce com exuberâncias
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Não é possível descrever o
século 20 sem descrever
essas obras." Citado na contracapa do disco "Bartók - The Piano
Concertos", o epigrama é característico de Pierre Boulez e pede um
complemento: não é possível descrever o século 20 sem descrever
as descrições que o próprio Pierre
Boulez lhe dá, seja sob a forma de
sua própria música, seja pelo comentário ensaístico, seja, como
aqui, regendo as obras que, graças
a ele, vêm hoje compor um cânone temporariamente definitivo do
século passado.
Chegando aos 80 anos no próximo sábado, ele é homenageado
por sua gravadora com o lançamento simultâneo de nada menos
do que quatro discos, dois deles
dedicados à sua própria música
("Le Marteau sans Maitre", "Dérive" e as três "Sonatas para Piano",
tocadas por Paavali Jumppanen),
outro a canções de Mahler (com
Thomas Quasthoff, Violeta Urmana, Anne Sofie von Otter e a Filarmônica de Viena) e este com os
três "Concertos para Piano e Orquestra" de Béla Bartók (1881-1945), interpretados por três solistas da nova geração -Krystian
Zimerman, Leif Ove Andsnes e
Hélène Grimaud-, com três
grandes orquestras, a Sinfônica
de Chicago, a Filarmônica de Berlim e a Sinfônica de Londres.
Tempo
Boulez vem regendo esses concertos, especialmente os dois primeiros, desde a década de 1960.
Com a distância pedagógica do
tempo, não é exagero agora escutar em Bartók certos traços da
música do compositor francês.
Por exemplo, no uso marcado de
combinações de tímpano e piano,
que prefiguram a percussão encantatória de peças como "Plis Selon Plis" e "Rituel". É verdade que
isso só se escuta por dois motivos:
em primeiro lugar, por conta da
música de Boulez (que levou às
últimas conseqüências certas sugestões de Bartók); em segundo,
porque Boulez também nos faz
ouvir, regendo, aquilo que sua
música descobre ou inventa na
obra do precursor.
E é verdade, também, que a essa
altura a arte de Boulez já é segunda natureza para solistas como esses, que cresceram ouvindo suas
composições e são, todos os três,
conhecidos por tocar o acervo
contemporâneo lado a lado com o
repertório tradicional. Cada um a
seu modo, exploram aqui as tensões entre passado e presente, até
descobrirem o delicado ponto de
equilíbrio onde se mostra, para
nós, a música de Bartók.
O mestre húngaro só cresce de
estatura quando se faz ouvir na
sua música as exuberâncias cosmopolitas de Zimerman no
"Concerto nš 1" ou as texturas
stravinskianas e os mistérios noturnos de Andsnes, no "nš 2", ou
ainda a graça de um afeto acima
de todas as paixões, em contraste
com o incrível adágio beethoveniano de Grimaud, no "nš 3".
Não há uma página sem intensidades e densidades, nessas leituras ao mesmo tempo tão transparentes, típicas do maestro Boulez
da última década. E ao nos dar um
Bartók como esse, renovado pelo
espírito de uma geração que ele
mesmo formou, Boulez nos dá
também, e a si mesmo, mais um
fragmento de sua grande obra, capaz de acolher seu passado com
segurança e alegria, sem qualquer
timbre de adeus.
Bartók - The Piano Concertos
Intérpretes: Krystian Zimerman, Leif
Ove Andsnes e Hélène Grimaud, com as
orquestras Sinfônica de Chicago,
Filarmônica de Berlim e Sinfônica de
Londres
Gravadora: Deutsche Grammophon
Quanto: US$ 14,99 (R$ 40,50)
Onde encontrar: www.amazon.com
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