São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2005

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MÚSICA ERUDITA

Pierre Boulez celebra Bartók e cresce com exuberâncias

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"Não é possível descrever o século 20 sem descrever essas obras." Citado na contracapa do disco "Bartók - The Piano Concertos", o epigrama é característico de Pierre Boulez e pede um complemento: não é possível descrever o século 20 sem descrever as descrições que o próprio Pierre Boulez lhe dá, seja sob a forma de sua própria música, seja pelo comentário ensaístico, seja, como aqui, regendo as obras que, graças a ele, vêm hoje compor um cânone temporariamente definitivo do século passado.
Chegando aos 80 anos no próximo sábado, ele é homenageado por sua gravadora com o lançamento simultâneo de nada menos do que quatro discos, dois deles dedicados à sua própria música ("Le Marteau sans Maitre", "Dérive" e as três "Sonatas para Piano", tocadas por Paavali Jumppanen), outro a canções de Mahler (com Thomas Quasthoff, Violeta Urmana, Anne Sofie von Otter e a Filarmônica de Viena) e este com os três "Concertos para Piano e Orquestra" de Béla Bartók (1881-1945), interpretados por três solistas da nova geração -Krystian Zimerman, Leif Ove Andsnes e Hélène Grimaud-, com três grandes orquestras, a Sinfônica de Chicago, a Filarmônica de Berlim e a Sinfônica de Londres.

Tempo
Boulez vem regendo esses concertos, especialmente os dois primeiros, desde a década de 1960. Com a distância pedagógica do tempo, não é exagero agora escutar em Bartók certos traços da música do compositor francês. Por exemplo, no uso marcado de combinações de tímpano e piano, que prefiguram a percussão encantatória de peças como "Plis Selon Plis" e "Rituel". É verdade que isso só se escuta por dois motivos: em primeiro lugar, por conta da música de Boulez (que levou às últimas conseqüências certas sugestões de Bartók); em segundo, porque Boulez também nos faz ouvir, regendo, aquilo que sua música descobre ou inventa na obra do precursor.
E é verdade, também, que a essa altura a arte de Boulez já é segunda natureza para solistas como esses, que cresceram ouvindo suas composições e são, todos os três, conhecidos por tocar o acervo contemporâneo lado a lado com o repertório tradicional. Cada um a seu modo, exploram aqui as tensões entre passado e presente, até descobrirem o delicado ponto de equilíbrio onde se mostra, para nós, a música de Bartók.
O mestre húngaro só cresce de estatura quando se faz ouvir na sua música as exuberâncias cosmopolitas de Zimerman no "Concerto nš 1" ou as texturas stravinskianas e os mistérios noturnos de Andsnes, no "nš 2", ou ainda a graça de um afeto acima de todas as paixões, em contraste com o incrível adágio beethoveniano de Grimaud, no "nš 3".
Não há uma página sem intensidades e densidades, nessas leituras ao mesmo tempo tão transparentes, típicas do maestro Boulez da última década. E ao nos dar um Bartók como esse, renovado pelo espírito de uma geração que ele mesmo formou, Boulez nos dá também, e a si mesmo, mais um fragmento de sua grande obra, capaz de acolher seu passado com segurança e alegria, sem qualquer timbre de adeus.


Bartók - The Piano Concertos
    
Intérpretes: Krystian Zimerman, Leif Ove Andsnes e Hélène Grimaud, com as orquestras Sinfônica de Chicago, Filarmônica de Berlim e Sinfônica de Londres
Gravadora: Deutsche Grammophon
Quanto: US$ 14,99 (R$ 40,50)
Onde encontrar: www.amazon.com



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