São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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ROCK/CRÍTICA

"Boys Don't Cry" antevê gótico do Cure

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

É música de um tempo em que garotos não choravam, quando era bonito ser herdeiro de uma timidez criminosamente vulgar e o amor costumava dilacerar e separar os amantes.
Nos anos 80, a banda britânica The Cure ajudava a definir a sonoridade das casas noturnas alternativas de São Paulo a Berlim, ao lado das letras de romantismo sofrido de bandas como The Smiths e Joy Division. De tabela, os cabelos arrepiados do vocalista Robert Smith serviam de modelo para os góticos -o então tipo urbano que resumia a depressão e as agruras típicas da cidade grande.
Mesmo que hoje pareça mero artefato pop, o lançamento no Brasil do álbum do Cure "Boys Don't Cry", com 26 anos de atraso, chega em perfeita conexão com o atual momento da música.
Se o emocore vê o mundo com sensibilidade, a faixa-título fala sobre um garoto que pede desculpas à ex-amada pelas suas incríveis mancadas. Ou então, bastam alguns segundos de audição da voz esganiçada e única de Smith e a guitarra punk/pop de canções como "Fire in Cairo" ou "Jumping Someone Else's Train" para lembrarmos qualquer música da nova e incensada banda britânica Bloc Party.
No entanto, tecnicamente, "Boys Don't Cry" (1980) não é o primeiro disco do Cure; trata-se da versão para o mercado norte-americano da estréia do grupo, "Three Imaginary Boys" (1979). A intenção era fazê-los "acontecer" nos EUA, já que no Reino Unido, os então iniciantes vinham tendo boa recepção. "Boys Don't Cry" deixa quatro músicas de fora, como a bizarra versão para "Foxy Lady" (Jimi Hendrix), e acrescenta outras quatro, como "Killing an Arab" -considerada racista na época, mas apenas homenagem a "O Estrangeiro", de Albert Camus- e a faixa-título.
E esteticamente, este não é álbum típico do Cure, que no disco seguinte, "Seventeen Seconds" (1980), forjaria uma imagem -a estética gótica, com uma sonoridade soturna de letras depressivas- que perdura até hoje.
O Cure que aparece em "Boys" é um Cure de sonoridade crua, teen, com desleixos típicos de iniciantes -algumas canções são extremamente básicas porque o então baterista não sabia tocar muito bem-, mas que já prenuncia as imagens surreais e agonizantes que fariam parte do universo muito particular da banda.


Boys Don't Cry    
Artista: The Cure
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 30, em média


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