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Livros
Scliar revê carreira em seu 75º livro
Moacyr Scliar completa 70 anos, lança biografia, comenta prêmios ruins e diz que não gosta de ser chamado de prolífico
Autor gaúcho afirma que experiência com jornalismo e medicina moldaram o seu
trabalho e que escreve por prazer, e não por obsessão
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
O 75º livro de Moacyr Scliar
devia ser uma antologia de textos comentados. Mas o veterano autor gaúcho, um assumido
"maníaco" por escrita, não resistiu. Acabou produzindo uma
autobiografia de 272 páginas,
ilustrando sua extensa produção com a trajetória pessoal
que une medicina e literatura.
"O Texto, ou: A Vida" (Bertrand, 272 págs., R$ 39), que
chega às livrarias a partir de segunda, tem um pouco de tudo: a
infância porto-alegrense como
descendente de imigrantes, a
crise de estudar num colégio
católico quando "não podia"
acreditar em Jesus, a consciência social no começo dos anos
60 e a medicina. E, claro, muita
literatura. Que pode ser influenciada pelos textos técnicos, ensina o titular da cadeira
de nº 31 da Academia Brasileira
de Letras.
Além da impressionante atividade literária, Scliar escreve
na Folha desde 1993 uma coluna que "não faltou uma única
semana". Também contribui
para o jornal gaúcho "Zero Hora" desde 1974. Seu novo livro
traz uma amostra variada dessa produção: um artigo escrito
na adolescência em homenagem ao pai, novelas como "Max
e os Felinos", famosa por ter
seu enredo plagiado por um
vencedor do Booker Prize, e artigos emocionais como "Roda
dos Expostos", publicado na
Folha em 2/2/2006, em que cita o instrumento que permitia
às mães solteiras doar os bebês
que não podiam criar.
Autor de contos, romances,
roteiros, crônicas, ensaios, novelas e ficção infanto-juvenil,
Scliar, que comemorou ontem
seu 70º aniversário, explica
abaixo porque não gosta de ser
chamado de prolífico.
FOLHA - O fato de você escrever intensamente para a imprensa desde
a década de 70 influenciou a sua forma de escrever?
MOACYR SCLIAR - Certamente eu
mudei, e para muito melhor.
No passado os escritores de ficção costumavam torcer o nariz
para os jornalistas. Consideravam jornalismo um gênero menor. Não é nada disso, o jornalismo ensina muito. Em primeiro lugar, em termos da objetividade. Em segundo lugar, a
questão do espaço. E tem a
questão do tempo. Essas coisas
são fundamentais.
FOLHA - E qual foi a influência da
medicina?
SCLIAR - Mudou tremendamente. Quando eu entrei na faculdade de medicina, era adolescente. Conhecia muito pouco da vida e, de repente, estava
estudando uma profissão que
envolve, já no primeiro ano da
faculdade, o contato com cadáver. E depois, com doentes. Essa experiência existencial muitas vezes foi dolorosa, mas mudou a minha maneira de ser.
Outra coisa interessante é que
me beneficiei também do fato
de lidar com literatura científica. Acabei incorporando a linguagem do trabalho científico.
É objetiva, rigorosa. O espaço
também é restrito.
FOLHA - Você escreve praticamente em todos os gêneros...
SCLIAR - Menos poemas.
FOLHA - Como você avalia essa versatilidade?
SCLIAR - Gosto de todos os gêneros, mas aquele que considero mais desafiador é o conto. É
a literatura no seu aspecto mais
autêntico, mais intenso. É o
grande desafio. Isso é uma conclusão que foi se consolidando
ao longo dessas décadas.
FOLHA - Você narra no livro histórias engraçadas sobre prêmios estranhos, como um vale-sapato, um
disco de folclore tcheco... Quais foram os piores prêmios que ganhou?
SCLIAR - Foram muitos... o pior
foi um cheque sem fundo. Bom,
teve uma máquina fotográfica,
Tirei uma foto só, na segunda já
estava estragada... Mas acho
que premiação é uma lição de
humildade. Tu tens que receber com um certo ceticismo...
As premiações que tu vês no
Brasil, por exemplo. Premiam
gente de mérito, mas tem muita gente que fica marginalizada,
que é esquecida.
FOLHA - Você não gosta que digam
que você é prolífico, mesmo tendo
publicado 75 livros?
SCLIAR - Isso não é nenhuma
obsessão, resulta simplesmente do prazer de sentar e escrever. É uma coisa que me dá uma
tal satisfação que escrevo sempre que posso. Ando sempre
com laptop, escrevo em avião,
em aeroporto, em hotel. Agora,
também existe a idéia de que
autor bom é autor que não escreve. O ideal é o escritor que
tem um livro só, o cara que fica
meio enclausurado...
FOLHA - Você menciona que prefere escrever num clima maníaco do
que num clima depressivo...
SCLIAR - Uma psiquiatra americana, a Kay Jamison, tem uma
teoria sobre literatura e doença. Ela diz que há uma associação muito grande entre literatura e doença bipolar. Freqüentemente tu encontras bipolares
entre os escritores, o cara que
oscila entre uma fase maníaca e
uma fase depressiva. Isso seria
bom para a literatura... Não sou
bipolar, mas prefiro a excitação
da mania do que essa coisa
"down", da depressão.
FOLHA - Você conta no livro que o
Rubem Braga perdeu a sua primeira
coleção de contos...
SCLIAR - Perdeu mesmo. Coitado, deixei para ele e depois fui
ouvir a sua opinião. Ele disse:
"puxa, não sei onde botei os
teus contos, acho que perdi".
Eu não tinha cópia.
FOLHA - E o trauma ficou até hoje?
SCLIAR - É uma coisa engraçada, durante muito tempo me
incomodou. Depois, tu te dás
conta de que a vida te dá oportunidades. Aquilo que tu não
escrevestes num determinado
momento vai reaparecer. Não
existem perdas irreparáveis,
nem na literatura nem na vida.
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