São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livros

Scliar revê carreira em seu 75º livro

Moacyr Scliar completa 70 anos, lança biografia, comenta prêmios ruins e diz que não gosta de ser chamado de prolífico

Autor gaúcho afirma que experiência com jornalismo e medicina moldaram o seu trabalho e que escreve por prazer, e não por obsessão


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

O 75º livro de Moacyr Scliar devia ser uma antologia de textos comentados. Mas o veterano autor gaúcho, um assumido "maníaco" por escrita, não resistiu. Acabou produzindo uma autobiografia de 272 páginas, ilustrando sua extensa produção com a trajetória pessoal que une medicina e literatura.
"O Texto, ou: A Vida" (Bertrand, 272 págs., R$ 39), que chega às livrarias a partir de segunda, tem um pouco de tudo: a infância porto-alegrense como descendente de imigrantes, a crise de estudar num colégio católico quando "não podia" acreditar em Jesus, a consciência social no começo dos anos 60 e a medicina. E, claro, muita literatura. Que pode ser influenciada pelos textos técnicos, ensina o titular da cadeira de nº 31 da Academia Brasileira de Letras.
Além da impressionante atividade literária, Scliar escreve na Folha desde 1993 uma coluna que "não faltou uma única semana". Também contribui para o jornal gaúcho "Zero Hora" desde 1974. Seu novo livro traz uma amostra variada dessa produção: um artigo escrito na adolescência em homenagem ao pai, novelas como "Max e os Felinos", famosa por ter seu enredo plagiado por um vencedor do Booker Prize, e artigos emocionais como "Roda dos Expostos", publicado na Folha em 2/2/2006, em que cita o instrumento que permitia às mães solteiras doar os bebês que não podiam criar.
Autor de contos, romances, roteiros, crônicas, ensaios, novelas e ficção infanto-juvenil, Scliar, que comemorou ontem seu 70º aniversário, explica abaixo porque não gosta de ser chamado de prolífico.

 

FOLHA - O fato de você escrever intensamente para a imprensa desde a década de 70 influenciou a sua forma de escrever?
MOACYR SCLIAR -
Certamente eu mudei, e para muito melhor. No passado os escritores de ficção costumavam torcer o nariz para os jornalistas. Consideravam jornalismo um gênero menor. Não é nada disso, o jornalismo ensina muito. Em primeiro lugar, em termos da objetividade. Em segundo lugar, a questão do espaço. E tem a questão do tempo. Essas coisas são fundamentais.

FOLHA - E qual foi a influência da medicina?
SCLIAR -
Mudou tremendamente. Quando eu entrei na faculdade de medicina, era adolescente. Conhecia muito pouco da vida e, de repente, estava estudando uma profissão que envolve, já no primeiro ano da faculdade, o contato com cadáver. E depois, com doentes. Essa experiência existencial muitas vezes foi dolorosa, mas mudou a minha maneira de ser. Outra coisa interessante é que me beneficiei também do fato de lidar com literatura científica. Acabei incorporando a linguagem do trabalho científico. É objetiva, rigorosa. O espaço também é restrito.

FOLHA - Você escreve praticamente em todos os gêneros...
SCLIAR -
Menos poemas.

FOLHA - Como você avalia essa versatilidade?
SCLIAR -
Gosto de todos os gêneros, mas aquele que considero mais desafiador é o conto. É a literatura no seu aspecto mais autêntico, mais intenso. É o grande desafio. Isso é uma conclusão que foi se consolidando ao longo dessas décadas.

FOLHA - Você narra no livro histórias engraçadas sobre prêmios estranhos, como um vale-sapato, um disco de folclore tcheco... Quais foram os piores prêmios que ganhou?
SCLIAR -
Foram muitos... o pior foi um cheque sem fundo. Bom, teve uma máquina fotográfica, Tirei uma foto só, na segunda já estava estragada... Mas acho que premiação é uma lição de humildade. Tu tens que receber com um certo ceticismo... As premiações que tu vês no Brasil, por exemplo. Premiam gente de mérito, mas tem muita gente que fica marginalizada, que é esquecida.

FOLHA - Você não gosta que digam que você é prolífico, mesmo tendo publicado 75 livros?
SCLIAR -
Isso não é nenhuma obsessão, resulta simplesmente do prazer de sentar e escrever. É uma coisa que me dá uma tal satisfação que escrevo sempre que posso. Ando sempre com laptop, escrevo em avião, em aeroporto, em hotel. Agora, também existe a idéia de que autor bom é autor que não escreve. O ideal é o escritor que tem um livro só, o cara que fica meio enclausurado...

FOLHA - Você menciona que prefere escrever num clima maníaco do que num clima depressivo...
SCLIAR -
Uma psiquiatra americana, a Kay Jamison, tem uma teoria sobre literatura e doença. Ela diz que há uma associação muito grande entre literatura e doença bipolar. Freqüentemente tu encontras bipolares entre os escritores, o cara que oscila entre uma fase maníaca e uma fase depressiva. Isso seria bom para a literatura... Não sou bipolar, mas prefiro a excitação da mania do que essa coisa "down", da depressão.

FOLHA - Você conta no livro que o Rubem Braga perdeu a sua primeira coleção de contos...
SCLIAR -
Perdeu mesmo. Coitado, deixei para ele e depois fui ouvir a sua opinião. Ele disse: "puxa, não sei onde botei os teus contos, acho que perdi". Eu não tinha cópia.

FOLHA - E o trauma ficou até hoje?
SCLIAR -
É uma coisa engraçada, durante muito tempo me incomodou. Depois, tu te dás conta de que a vida te dá oportunidades. Aquilo que tu não escrevestes num determinado momento vai reaparecer. Não existem perdas irreparáveis, nem na literatura nem na vida.


Texto Anterior: Livros: Revista britânica "Granta" lista 21 revelações das letras dos EUA
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.