São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HQ reflete busca existencial de Eisner

"A Força da Vida", que compõe trilogia do quadrinista e aborda tempos da Depressão, chega ao Brasil com 20 anos de atraso

Biógrafo diz que obra definiu projeto de vida de Eisner; personagem central das histórias é um carpinteiro judeu

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tendo em vista a afeição mútua entre Will Eisner e o Brasil e a regularidade com que suas obras são publicadas por aqui, é incrível que "A Força da Vida", uma de suas principais "graphic novels", tenha levado 20 anos para chegar ao país.
O atraso deu-lhe um timing adequado: estamos em uma época de pânico econômico nos EUA, com uma crise mundial se avizinhando. Analistas já começaram as comparações com a crise de 1929, e é exatamente desse período, o da Grande Depressão, que trata a obra de Eisner (1917-2005).
"De repente, para um mundo que tinha estado em uma alegre busca pela boa vida, parecia que viver havia se transformado em sobrevivência! Muitas suposições incontestáveis até então, agora eram reexaminadas", escreve o autor na abertura da HQ, com incrível pertinência para os tempos atuais.
É claro que o período que Eisner viveu e descreve foi muito pior, pois teve ainda a Segunda Guerra a atormentá-lo -e, por causa dela, os imigrantes (como seus pais) que moravam nos cortiços (como ele e sua família) tocavam a vida resignados, "simplesmente porque tinham acabado de chegar de outros lugares mais hostis".

Trilogia dos cortiços
Escrita em 1988 (mesmo ano em que foi criado o Eisner Awards, o Oscar das HQs, em sua homenagem), "A Força da Vida" forma a segunda parte de uma trilogia que se completa com "Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço", lançada dez anos antes, e "Avenida Dropsie" (1995), ambas já publicadas no Brasil.
"Depois que Eisner fez "Um Contrato com Deus", decidiu que este era o formato que queria seguir. "A Força da Vida" foi seu próximo projeto do gênero e foi muito importante para ele, definiu seu projeto de vida", disse à Folha, por telefone, Bob Andleman, amigo e biógrafo do autor (escreveu "Will Eisner: A Spirited Life").
O próprio Eisner confirmava a importância das duas HQs, listando-as como suas preferidas, "pois nelas eu demonstrei o que acreditava que uma "graphic novel" poderia ser".
"A Força da Vida" é formada por diversas histórias intercaladas (publicadas em série, entre 1983 e 1985, e unidas em um único livro, em 1988) que têm como personagem central o carpinteiro judeu Jacob Shtarkah, cuja busca existencial pelo sentido da vida refletia a do próprio Eisner.
Tendo como pano de fundo a Grande Depressão, a ascensão do nazismo e a chegada dos imigrantes aos EUA e usando a barata como metáfora de resistência e sobrevivência, o livro circula pelos cortiços da fictícia avenida Dropsie, onde os moradores "carregavam consigo o tabernáculo de uma força da vida que mal compreendiam".
Gângsters italianos à la "O Poderoso Chefão", comunistas sindicalizados, garotos que sonham em ser caubóis e dramáticas mães judias formam a comunidade por onde se move Jacob, angustiado não apenas pela desvalorização de seu trabalho como pelas amarras de um casamento arranjado, segundo as tradições judaicas.
Não é a história mais acessível de Eisner -ela é irregular e pontuada por recortes de jornal que contextualizam a época-, e, como é comum em sua obra, a narrativa pode ser bastante triste e desesperançada.
Mas é um primor do traço, com seus personagens incrivelmente expressivos, e parte indispensável de sua bibliografia.


A FORÇA DA VIDA
Autor:
Will Eisner
Editora: Devir
Tradução: Marquito Maia
Quanto: R$ 38 (152 págs.)


Texto Anterior: Destaques
Próximo Texto: "The Spirit" estréia em 2009 no cinema
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.