São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 2011

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Grotesco é tema de festival de teatro em São Paulo

Sete trabalhos de autores como Sérgio Roveri e Mário Viana serão encenados até o fim de abril, no N.Ex.T

Enredos apanham homem em apuros com a eclosão de seus impulsos bestiais, do sexo à violência brutal

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

Ao cabo de 12 dias de vida, o bebê sem sexo definido da peça "Boi da Cara Preta" já tem na ficha corrida três óbitos de enfermeiras, o saque a um banco de sangue e um desfalque no armazém da esquina -bisnagas e linguiça são a base de sua dieta. Para avisar que está com fome, solta um balido. O grunhido é sinal de que fez xixi.
O pequeno diabo da Tasmânia encarnado em gente puxa o cordão de personagens excêntricos do 2º Festival N.Ex.T de Teatro Grotesco, que começa hoje, em São Paulo. Até o fim de abril, o público verá um revezamento de sete amostras do gênero (veja programação acima) em que a ordem é trazer à superfície impulsos recalcados.
Ou seja: a matéria que interessa a essas montagens curtas (com duração entre 20 e 35 minutos) é a que apanha o homem quando seu comportamento roça o bestial, o abjeto, quando a civilização ainda não aparou as arestas, para o bem e para o mal.
"Os temas grotescos são cada vez mais recorrentes no mundo: a fragmentação, a loucura, a violência na sala de casa. Aplicar uma perspectiva grotesca à forma como a gente se enxerga dá margem a outros pensamentos, serve de contraponto a esta onda politicamente correta, de uma hipocrisia que dói", diz Antonio Rocco, organizador do festival, além de autor de um dos textos e diretor de três.

COERÊNCIA GROTESCA
Sérgio Roveri, autor de "Boi da Cara Preta", faz coro em relação à urgência do gênero. "O teatro, às vezes, demora a acompanhar a realidade. Se quisesse de fato retratá-la -não é que tenha de fazer isso-, certamente haveria mais peças grotescas, com enredos, por exemplo, sobre pais que mantêm filhas em cativeiro para reproduzir, como vemos nos jornais."
O dramaturgo vê no convite para criar um trabalho para o festival um álibi para "fugir da pegada habitual, brincar, não se preocupar tanto". "No grotesco, não existe tanto compromisso com coerência, continuidade e verossimilhança, que são traços que sempre busco quando escrevo. Essa escapada dos padrões da lógica abre um horizonte de liberdade", diz.
A mão solta na criação não dispensa algum tipo de articulação racional -e uma remissão a sentimentos e situações prosaicos. A sogra de "Boi", portanto, implica com a nora "comme il faut", o pai faz questão de ter um filho (no masculino) e o amor do casal pelo novo morador da casa o cega para as atrocidades da cria. Tudo embalado em comédia, "para não sobrar só a realidade, a vida", segundo Roveri:
"Não defendo a concessão, a facilitação. Mas grotesco não é tragédia. É o absurdo, o imponderável", diz.
Além das peças de Roveri e Rocco, há obras de Mário Viana, Maurício Paroni de Castro, Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, Chico de Assis, Alexandre Machado e Fernanda Young.


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