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Crítica/ópera/"O Navio Fantasma"
Excessos afundam "Navio"
No Teatro Amazonas, diretor da ópera de Richard Wagner satura o palco com símbolos de "brasilidade"
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma bateria de escola de
samba entrou no Teatro Amazonas, anteontem, na récita de estréia da ópera "O Navio Fantasma", de Richard Wagner, em Manaus, dirigida pelo alemão Christoph
Schlingensief.
O apito do mestre de bateria
começou a se fazer ouvir durante os acordes finais do segundo ato. O maestro Luiz Fernando Malheiro desceu a batuta, retirou-se e, então, os percussionistas fizeram sua entrada e ficaram tocando por dez
minutos no corredor que divide
as poltronas pares e ímpares do
teatro, enquanto, no palco, passistas paramentados a caráter
faziam suas evoluções.
Conhecido na Alemanha como um "provocador", Schlingensief fez, com o "Navio", sua
segunda incursão na ópera -a
primeira havia sido com "Parsifal", também de Wagner, em
Bayreuth, em 2004.
Se naquela oportunidade ele
encheu o "templo" dos wagnerianos de signos africanos, desta vez preferiu saturar o palco
com símbolos de "brasilidade"
-e abrindo mão da escatologia
que já foi a sua marca. Além do
samba, estavam lá o boi-bumbá
e o catolicismo, representado
por Daland (Stephen Bronk,
com a habitual solidez), o sogro
do protagonista, caracterizado
como um luxuoso sacerdote.
Risadas
Schlingensief trabalha com
saturação imagética. Um filó, à
frente do palco, era constantemente esticado e removido, para a projeção de imagens rodadas pelo próprio diretor na selva, além de cenas de filmes como "Saló", de Pasolini, e "Nosferatu", de Murnau. Mesmo
sem o filó, os filmes também
eram projetados, sobre os cenários e cantores.
O palco girava constantemente, menos como recurso de
mudança de cena do que para
imprimir um ritmo acelerado à
encenação. Sem a preocupação
de "entender" o que parecia
ininteligível, o público ria com
algumas tiradas (como a "decapitação" de uma passista da escola de samba) e parecia se divertir com o "samba do crioulo
doido" de Schlingensief.
Para dirigir aquela que talvez
seja a mais convencional e linear das óperas de Richard
Wagner, o alemão adotou uma
concepção avessa a todo tipo de
linearidade e convenção. Por
vezes, os cantores adotavam
atitudes ou gestos que pareciam não pertencer a seus personagens, mas a outro -tipo de
embaralhamento a gosto de outro encenador germânico,
Hans Castorp.
Musicalmente, Malheiro
confirmou ser um regente wagneriano, conhecedor das necessidades dramáticas e estéticas
do compositor, muito embora a
Amazonas Filarmônica tenha
apresentado um desempenho
abaixo do de anos anteriores.
No papel-título, o norte-americano Gary Simpson, que
chegou em cima da hora, para
substituir o argentino Lucas
Debevec Mayer, não comprometeu -nem convenceu. O
maior destaque da noite foi a
intensidade dramática da soprano Eiko Senda.
O espetáculo foi recebido, ao
final, com aplausos para todos
-e algumas vaias para Schlingensief. O que mostra que, em
Manaus, já foi criada uma tradição operística, com gente disposta a defendê-la quando a
sente ameaçada.
O jornalista IRINEU FRANCO PERPETUO viajou a Manaus a convite do festival.
O NAVIO FANTASMA
Avaliação: regular
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