São Paulo, terça-feira, 24 de abril de 2007

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Crítica/ópera/"O Navio Fantasma"

Excessos afundam "Navio"

No Teatro Amazonas, diretor da ópera de Richard Wagner satura o palco com símbolos de "brasilidade"

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma bateria de escola de samba entrou no Teatro Amazonas, anteontem, na récita de estréia da ópera "O Navio Fantasma", de Richard Wagner, em Manaus, dirigida pelo alemão Christoph Schlingensief.
O apito do mestre de bateria começou a se fazer ouvir durante os acordes finais do segundo ato. O maestro Luiz Fernando Malheiro desceu a batuta, retirou-se e, então, os percussionistas fizeram sua entrada e ficaram tocando por dez minutos no corredor que divide as poltronas pares e ímpares do teatro, enquanto, no palco, passistas paramentados a caráter faziam suas evoluções.
Conhecido na Alemanha como um "provocador", Schlingensief fez, com o "Navio", sua segunda incursão na ópera -a primeira havia sido com "Parsifal", também de Wagner, em Bayreuth, em 2004.
Se naquela oportunidade ele encheu o "templo" dos wagnerianos de signos africanos, desta vez preferiu saturar o palco com símbolos de "brasilidade" -e abrindo mão da escatologia que já foi a sua marca. Além do samba, estavam lá o boi-bumbá e o catolicismo, representado por Daland (Stephen Bronk, com a habitual solidez), o sogro do protagonista, caracterizado como um luxuoso sacerdote.

Risadas
Schlingensief trabalha com saturação imagética. Um filó, à frente do palco, era constantemente esticado e removido, para a projeção de imagens rodadas pelo próprio diretor na selva, além de cenas de filmes como "Saló", de Pasolini, e "Nosferatu", de Murnau. Mesmo sem o filó, os filmes também eram projetados, sobre os cenários e cantores.
O palco girava constantemente, menos como recurso de mudança de cena do que para imprimir um ritmo acelerado à encenação. Sem a preocupação de "entender" o que parecia ininteligível, o público ria com algumas tiradas (como a "decapitação" de uma passista da escola de samba) e parecia se divertir com o "samba do crioulo doido" de Schlingensief.
Para dirigir aquela que talvez seja a mais convencional e linear das óperas de Richard Wagner, o alemão adotou uma concepção avessa a todo tipo de linearidade e convenção. Por vezes, os cantores adotavam atitudes ou gestos que pareciam não pertencer a seus personagens, mas a outro -tipo de embaralhamento a gosto de outro encenador germânico, Hans Castorp.
Musicalmente, Malheiro confirmou ser um regente wagneriano, conhecedor das necessidades dramáticas e estéticas do compositor, muito embora a Amazonas Filarmônica tenha apresentado um desempenho abaixo do de anos anteriores.
No papel-título, o norte-americano Gary Simpson, que chegou em cima da hora, para substituir o argentino Lucas Debevec Mayer, não comprometeu -nem convenceu. O maior destaque da noite foi a intensidade dramática da soprano Eiko Senda.
O espetáculo foi recebido, ao final, com aplausos para todos -e algumas vaias para Schlingensief. O que mostra que, em Manaus, já foi criada uma tradição operística, com gente disposta a defendê-la quando a sente ameaçada.


O jornalista IRINEU FRANCO PERPETUO viajou a Manaus a convite do festival.

O NAVIO FANTASMA
Avaliação:
regular


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