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Crítica/"Alameda Santos"
Romance autobiográfico revisita dor e delícia dos 80
MARCELO MOUTINHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ivana Arruda Leite não cabe no escaninho redutor
da "literatura feminina".
As narrativas, embora quase
sempre protagonizadas por
mulheres, recusam o registro
delicado e sentimental, nada
têm da névoa cor-de-rosa que
paira sobre a chamada "chick
lit". Os livros trazem uma figura feminina emancipada, livre,
dona de si. Sexo frágil, sim, mas
que não foge à luta.
"Alameda Santos" reitera essa marca. A trama é singela: na
semana entre o Natal e o Réveillon, uma mulher com pouco
mais de 30 anos senta-se diante
do gravador e, à medida que esvazia garrafas de vinho ou uísque, relata os principais fatos
de sua vida na temporada que
passou. O rito se repete entre
1984 e 1992. Já no enredo, fica
claro que, a exemplo de livros
anteriores, o combustível da
narrativa são os conflitos existenciais da protagonista. Agora,
porém, a conjuntura brasileira
aparece quase como uma segunda personagem.
O cenário cultural e político
já se fazia presente em "Eu Te
Darei o Céu" (2004), no qual
Ivana redesenha os anos 60.
Em "Alameda Santos", contudo, a conexão entre o drama individual e o contexto histórico
é mais sensível, matizado. À
instabilidade emocional da
personagem correspondem os
sobressaltos do país numa época de intensas mudanças.
Inflação, Diretas, morte de
Tancredo, Aids, impeachment
de Collor, tudo é comentado
nas gravações, enquanto a narradora dá o testemunho de alegrias e, sobretudo, dores eminentemente pessoais. Divorciada, infeliz no emprego, envolvida com um homem casado
e bissexual, sua insatisfação
não encontra abrigo.
O texto é pouco adjetivado,
mais tributário do conteúdo
que da forma e consegue reproduzir com êxito a informalidade da linguagem oral. Em alguns momentos, entretanto, a
lembrança da narradora parece
remota demais para quem viveu os episódios relatados apenas alguns meses antes.
É como se a reminiscência
fosse de Ivana, não da heroína,
numa pequena quebra do pacto
ficcional entre autor e leitor. E
não são poucas as correlações
biográficas. A protagonista foi
funcionária da Caixa, estudou
sociologia, morou na alameda
Santos, separou-se e tem uma
filha, assim como Ivana, que
também fazia gravações com
relatos particulares.
Realidade ou fantasia, importa é o que as fitas sugerem: a
tentativa, por parte da personagem, de decodificar suas experiências, organizar a turbulência íntima, dando um molde,
ainda que tênue, ao caos interno. Uma busca incessante, não
raro frustrada, e que talvez seja
a de todo escritor na eterna peleja com as palavras.
MARCELO MOUTINHO é autor de "Somos Todos Iguais Nesta Noite" (Rocco)
ALAMEDA SANTOS
Autora: Ivana Arruda Leite
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 38 (160 págs.)
Avaliação: bom
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