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Crítica/"Noturnos"
Melodia de Ishiguro é boa de ler e fácil de esquecer
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nascido no Japão, mas
vivendo na Inglaterra
desde os seis anos de
idade, Kazuo Ishiguro (1954) já
foi considerado um dos 20 melhores jovens escritores britânicos pela revista "Granta".
Tornou-se mundialmente conhecido com a adaptação cinematográfica de "Os Vestígios do
Dia", de 1989, com o qual conquistou o Booker Prize.
Apesar de romancista experiente, "Noturnos - Histórias
de Música e Anoitecer", de
2009, é o primeiro livro de contos. O título é literal. Nas cinco
histórias há música e cair da
noite a enquadrá-las cenograficamente. Mas o verdadeiro tema comum apenas se revela se
o título for também tomado,
metaforicamente, como alusão
ao momento de esfriamento
das esperanças de o talento naturalmente se ajustar ao sucesso, cujas condições se descobrem aleatórias, injustas e, por
vezes, ridículas.
Assim, os contos compõem
uma espécie de hora da verdade
na qual as promessas de uma
vida solar se confrontam com a
instalação de uma vida medíocre, à sombra do desejo.
Duas histórias giram em torno da mesma personagem,
Lindy Gardner. Vinda do nada,
bela sem talento, é vitoriosa na
arte de casar com os homens
certos. Cinquentona, na desflor, é objeto de uma tocante serenata de despedida do par de
mais de 20 anos, o crooner
Tony Gardner, e de uma terceira cirurgia plástica.
Em duas outras, o narrador
lida com a própria imaturidade
prolongada, que adia a hora de
tomar um rumo na vida e na
carreira. O conto final acompanha o dilema de um jovem violoncelista entre as altas expectativas excitadas por uma mulher misteriosa que lhe exalta o
talento e as pedestres necessidades de sobreviver que o obrigam a tocar temas batidos.
Narrados em primeira pessoa por testemunhas mais do
que protagonistas, os contos
têm uma linguagem coloquial,
com marcas deliberadas de
oralidade, o que os torna muito
fácil de ler e de gostar. O melhor
deles é, afinal, a homologia entre o seu andamento e o gênero
musical do "noturno", concebido como a construção de uma
atmosfera delicada que combina inteligentemente situações
de humor e de pequenas estridências com uma tintura geral
definitivamente melancólica.
Na execução de Ishiguro,
contudo, a melancolia se aproxima do clima das comédias românticas do atual cinema inglês, com seu herói atrapalhado, as situações de apuros entre
pessoas de classes e culturas diversas, um ou dois fatos tristes,
alguma evocação infantil e uma
ilação mais ou menos realista
sobre o destino. Bom de ler, fácil de esquecer.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
NOTURNOS
Autor: Kazuo Ishiguro
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (216 págs.)
Avaliação: regular
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