São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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Crítica/"Noturnos"

Melodia de Ishiguro é boa de ler e fácil de esquecer

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nascido no Japão, mas vivendo na Inglaterra desde os seis anos de idade, Kazuo Ishiguro (1954) já foi considerado um dos 20 melhores jovens escritores britânicos pela revista "Granta". Tornou-se mundialmente conhecido com a adaptação cinematográfica de "Os Vestígios do Dia", de 1989, com o qual conquistou o Booker Prize.
Apesar de romancista experiente, "Noturnos - Histórias de Música e Anoitecer", de 2009, é o primeiro livro de contos. O título é literal. Nas cinco histórias há música e cair da noite a enquadrá-las cenograficamente. Mas o verdadeiro tema comum apenas se revela se o título for também tomado, metaforicamente, como alusão ao momento de esfriamento das esperanças de o talento naturalmente se ajustar ao sucesso, cujas condições se descobrem aleatórias, injustas e, por vezes, ridículas.
Assim, os contos compõem uma espécie de hora da verdade na qual as promessas de uma vida solar se confrontam com a instalação de uma vida medíocre, à sombra do desejo.
Duas histórias giram em torno da mesma personagem, Lindy Gardner. Vinda do nada, bela sem talento, é vitoriosa na arte de casar com os homens certos. Cinquentona, na desflor, é objeto de uma tocante serenata de despedida do par de mais de 20 anos, o crooner Tony Gardner, e de uma terceira cirurgia plástica.
Em duas outras, o narrador lida com a própria imaturidade prolongada, que adia a hora de tomar um rumo na vida e na carreira. O conto final acompanha o dilema de um jovem violoncelista entre as altas expectativas excitadas por uma mulher misteriosa que lhe exalta o talento e as pedestres necessidades de sobreviver que o obrigam a tocar temas batidos.
Narrados em primeira pessoa por testemunhas mais do que protagonistas, os contos têm uma linguagem coloquial, com marcas deliberadas de oralidade, o que os torna muito fácil de ler e de gostar. O melhor deles é, afinal, a homologia entre o seu andamento e o gênero musical do "noturno", concebido como a construção de uma atmosfera delicada que combina inteligentemente situações de humor e de pequenas estridências com uma tintura geral definitivamente melancólica.
Na execução de Ishiguro, contudo, a melancolia se aproxima do clima das comédias românticas do atual cinema inglês, com seu herói atrapalhado, as situações de apuros entre pessoas de classes e culturas diversas, um ou dois fatos tristes, alguma evocação infantil e uma ilação mais ou menos realista sobre o destino. Bom de ler, fácil de esquecer.


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

NOTURNOS

Autor: Kazuo Ishiguro
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (216 págs.)
Avaliação: regular


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