São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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Livro resgata obra de Juó Bananére

Imigrante italiano criado por Alexandre Marcondes Machado fez "crônica viva" da São Paulo do início do século passado

Personagem surgiu na revista humorística "O Pirralho", em 1911; para Oswald de Andrade, foi "um mestre da sátira no Brasil"

MARCO RODRIGO ALMEIDA
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante a década de 1910, Juó Bananére foi um dos nomes mais famosos da imprensa paulistana. O imigrante italiano criado por Alexandre Marcondes Machado era assunto tanto nas feiras e ruas quanto nos salões da alta sociedade.
Nomes ilustres não lhe pouparam elogios. Oswald de Andrade referiu-se a ele como "um mestre da sátira no Brasil".
O escritor António de Alcântara Machado não deixou por menos: o personagem teria sido "o melhor cronista" de São Paulo. Hoje, porém, o nome evoca uma interrogação: quem foi mesmo Juó Bananére?
Contra o esquecimento que se instaurou após a prematura morte de Alexandre, em 1933, aos 41 anos, Carlos Eduardo S. Capela, professor de teoria literária da Universidade Federal de Santa Catarina, lança "Juó Bananére - Irrisor, Irrisório". O livro traz uma análise crítica do personagem, além da antologia de textos que ele publicou, entre 1911 e 1917, em revistas humorísticas como "O Queixoso", "A Vespa" e "O Pirralho" Foi nesta última, criada por Oswald de Andrade e amigos, que Bananére "nasceu", em outubro de 1911, quando Alexandre tinha apenas 19 anos.
Era então o auge da tradição macarrônica, quando São Paulo era palco do "boom" da imigração europeia para o Brasil.
"Macarrônico" foi o termo cunhado para caracterizar uma linguagem mesclada, a meio caminho entre o português e um idioma estrangeiro.
No "italianês" que praticava, imitando um linguajar corriqueiro do convívio entre brasileiros e italianos, Bananére parodiou importantes autores (como Dante, Olavo Billac e Gonçalves Dias) e ironizou fatos históricos (leia trecho ao lado). Principalmente, narrou, com picardia, o cotidiano de imigrantes pobres no Brasil e as transformações pelas quais passava São Paulo no período.
"Ele faz uma crônica viva de um momento de redefinição, em que São Paulo deixa de ser provinciana para se transformar numa grande metrópole", afirma Capela.

Criador e criatura
Formado em engenharia, alto e elegante, Alexandre em nada corresponde à imagem que Voltolino, importante caricaturista brasileiro, imortalizou de Bananére: um sujeito de meia-idade, baixo, gordo, desalinhado, quase maltrapilho.
Tal disparidade, no entanto, não esconde a profunda identificação, ou mesmo dependência, do criador com a criatura, a quem não mais abandonaria.
Para Capela, a relação é quase esquizofrênica: na pesquisa, encontrou apenas uma única crônica de Alexandre ("Typos da Rua", publicada em "O Queixoso" em 1916) assinada por ele mesmo com as iniciais "A.M." e não por Bananére.
Nos primeiros textos publicados, explica o professor, o personagem era apenas um pseudônimo de Alexandre, porta-voz de suas ideias políticas e sociais. Ao correr das crônicas, porém, Bananére desvinculou-se do autor.
Ganha família (mulher, filhos, genro), características e estilo próprios. Bananére publica livros ("La Divina Increnca", coletânea de poesias de 1915), escreve peças e grava discos (duas dessas gravações podem ser ouvidas no site do Instituto Moreira Salles: http://ims.uol.com.br).


Moderno ou modernista
Também o legado de Alexandre percorreu um duplo e divergente caminho. Nos primeiros anos após sua morte, referências a ele eram escassas.
Quando muito, o silêncio era rompido por eventuais diatribes, ataques ao seu estilo humorístico e à efemeridade de seus textos.
Tal panorama começou a mudar no final dos anos 1940, quando a obra de Bananére passou a ser reavaliada. Críticos consagrados, como Otto Maria Carpeaux, atribuíram a ele o papel de precursor do modernismo. A inventividade linguística do personagem seria o equivalente tupiniquim às ousadias de James Joyce e ao movimento dadaista europeu.
Capela não encara as comparações como piadas (como talvez o próprio Bananére fizesse), mas acredita que tais teses sejam absurdas.
"Há coisas em comum, como o humor. Mas o modernismo é um movimento literário, articulado, tem um manifesto. Já o Bananére é um piadista, nunca quis ser nada além disso. O espaço dele é o efêmero, a coisa pequena, o cotidiano."
Mais apropriado, acredita ele, é enxergar em Alexandre/ Bananére um rico caso de testemunho histórico e de criação de um personagem.
"Ele confronta um ambiente intelectual conservador e projeta, via paródia, o desclassificado, os tipos marginais. Hoje se fala muito em dar voz às minorias, mas ele já fazia isso há quase cem anos."
Ou seja, se não um modernista, era um autêntico moderno.


JUÓ BANANÉRE - IRRISOR, IRRISÓRIO

Autor: Carlos Eduardo S. Capela
Editora: Nankin Editorial/Edusp
Quanto: R$ 80 (538 págs.)




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