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Livro traça mapa da formação de Gabo
Britânico Gerald Martin levou 17
anos para concluir detalhada biografia
Autor diz que García Márquez pode ser comparado a Mark Twain por instituir "senso nacional de humor" na Colômbia
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA
Gabriel García Márquez quase não dá entrevistas. Numa
dessas raras ocasiões, em 2006,
falou ao jornal espanhol "La
Vanguardia". Quando o repórter perguntou algo sobre o passado, o Nobel colombiano disse: "Vocês vão ter de perguntar
ao meu biógrafo oficial, Gerald
Martin, sobre isso".
Martin surpreendeu-se com
o "biógrafo oficial", pois se considerava até ali apenas como
um biógrafo "tolerado". Mas o
fato é que o investigador britânico se transformou na principal referência quando o assunto é a história de Gabo.
"Gabriel García Márquez
-Uma Vida" detalha o mapa da
infância do autor e traça a
transformação desse em mito
da literatura latino-americana.
Em entrevista à Folha, Martin, professor da Universidade
de Pittsburgh, conta que levou
17 anos para concluir a pesquisa, que incluiu viagens e mais
de 300 entrevistas.
Na primeira parte da obra, o
pesquisador britânico traça
uma espécie de árvore genealógica das famílias de Gabo e de
outras que viveram na mesma
região norte da Colômbia, onde
se encontra Aracataca, cidade
natal do autor. Demasiado prolixa, trata dos casamentos, traições, filhos legítimos e bastardos, vendetas e crimes.
Assim como o próprio Gabo
havia feito no autobiográfico
"Viver para Contar", Martin
identifica na infância do escritor as chaves para entender vida e obra do autor de "Cem
Anos de Solidão". Seu pai foi
um telegrafista de vida pouco
regrada -teve 11 filhos legítimos e quatro ilegítimos-, que
foi obrigado a fugir de várias cidades por causa de encrencas
com mulheres.
Por conta dessas mudanças
frequentes, García Márquez viveu com os avós durante praticamente toda a infância. Se o
avô Nicolás Márquez Mejía encarnava a sabedoria que transferiria depois ao personagem
Aureliano Buendía, de "Cem
Anos", a avó Tranquilina Iguarán Cotes e as tias eram uma
porta para o mundo mágico.
Gabo ficou famoso por trabalhar com o fantástico, celebrizando o chamado "realismo
mágico". Mas ler a obra de
Martin, ou "Viver para Contar", é descobrir que esse elemento já estava no universo
daquelas mulheres, suas crenças e superstições.
A relação do escritor com o
pai nunca foi boa. Martin defende que o livro "O Amor nos
Tempos do Cólera" é uma espécie de tentativa de reconciliação com a figura paterna ausente. O romance trata de uma
história de amor que atravessa
décadas antes de se concretizar. Ali, segundo o britânico,
Gabo apresenta sua versão da
história do pai, que seria o personagem de Florentino Ariza
-homem que espera a vida toda pela mulher que ama.
Martin explorou Aracataca a
fundo. O vilarejo que inspirou a
Macondo de "Cem Anos" viveu
um apogeu no começo do século passado devido à presença
da United Fruit Company (empresa americana dedicada ao
cultivo de frutas tropicais).
Hoje, tem um agitado centro
comercial que conserva ruas de
terra batida. Ali brincam crianças espiadas pelos pais através
de portas semiabertas. Idosos
sentam-se nas praças em bancos como os que ocupou Martin para tentar sorver algum tipo de revelação. "Eu fiquei ali
na chuva muitas vezes. Queria
captar o espírito da cidade."
"De certo modo, é como se o
tempo não tivesse passado. Dá
para comparar o mercado de
celulares e outros badulaques
na praça com o comércio dos
árabes daquele tempo."
A parte mais delicada é a dedicada a explicar as relações de
Gabo com a política. Martin teve acesso a vários líderes com
quem o escritor se relaciona.
Porém, isenta-se de fazer críticas à amizade com o ditador
cubano Fidel Castro.
Martin considera Gabo o
Mark Twain da Colômbia.
"Ambos instituíram um senso
nacional de humor e foram
cronistas da relação entre província e capital. Assim como
Machado de Assis e o Brasil."
GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ - UMA VIDA
Autor: Gerald Martin
Lançamento: Ediouro
Preço: R$ 89,90 (832 págs.)
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