São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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Livro traça mapa da formação de Gabo

Britânico Gerald Martin levou 17 anos para concluir detalhada biografia

Autor diz que García Márquez pode ser comparado a Mark Twain por instituir "senso nacional de humor" na Colômbia

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Gabriel García Márquez quase não dá entrevistas. Numa dessas raras ocasiões, em 2006, falou ao jornal espanhol "La Vanguardia". Quando o repórter perguntou algo sobre o passado, o Nobel colombiano disse: "Vocês vão ter de perguntar ao meu biógrafo oficial, Gerald Martin, sobre isso".
Martin surpreendeu-se com o "biógrafo oficial", pois se considerava até ali apenas como um biógrafo "tolerado". Mas o fato é que o investigador britânico se transformou na principal referência quando o assunto é a história de Gabo. "Gabriel García Márquez -Uma Vida" detalha o mapa da infância do autor e traça a transformação desse em mito da literatura latino-americana.
Em entrevista à Folha, Martin, professor da Universidade de Pittsburgh, conta que levou 17 anos para concluir a pesquisa, que incluiu viagens e mais de 300 entrevistas.
Na primeira parte da obra, o pesquisador britânico traça uma espécie de árvore genealógica das famílias de Gabo e de outras que viveram na mesma região norte da Colômbia, onde se encontra Aracataca, cidade natal do autor. Demasiado prolixa, trata dos casamentos, traições, filhos legítimos e bastardos, vendetas e crimes.
Assim como o próprio Gabo havia feito no autobiográfico "Viver para Contar", Martin identifica na infância do escritor as chaves para entender vida e obra do autor de "Cem Anos de Solidão". Seu pai foi um telegrafista de vida pouco regrada -teve 11 filhos legítimos e quatro ilegítimos-, que foi obrigado a fugir de várias cidades por causa de encrencas com mulheres.
Por conta dessas mudanças frequentes, García Márquez viveu com os avós durante praticamente toda a infância. Se o avô Nicolás Márquez Mejía encarnava a sabedoria que transferiria depois ao personagem Aureliano Buendía, de "Cem Anos", a avó Tranquilina Iguarán Cotes e as tias eram uma porta para o mundo mágico.
Gabo ficou famoso por trabalhar com o fantástico, celebrizando o chamado "realismo mágico". Mas ler a obra de Martin, ou "Viver para Contar", é descobrir que esse elemento já estava no universo daquelas mulheres, suas crenças e superstições.
A relação do escritor com o pai nunca foi boa. Martin defende que o livro "O Amor nos Tempos do Cólera" é uma espécie de tentativa de reconciliação com a figura paterna ausente. O romance trata de uma história de amor que atravessa décadas antes de se concretizar. Ali, segundo o britânico, Gabo apresenta sua versão da história do pai, que seria o personagem de Florentino Ariza -homem que espera a vida toda pela mulher que ama.
Martin explorou Aracataca a fundo. O vilarejo que inspirou a Macondo de "Cem Anos" viveu um apogeu no começo do século passado devido à presença da United Fruit Company (empresa americana dedicada ao cultivo de frutas tropicais).
Hoje, tem um agitado centro comercial que conserva ruas de terra batida. Ali brincam crianças espiadas pelos pais através de portas semiabertas. Idosos sentam-se nas praças em bancos como os que ocupou Martin para tentar sorver algum tipo de revelação. "Eu fiquei ali na chuva muitas vezes. Queria captar o espírito da cidade."
"De certo modo, é como se o tempo não tivesse passado. Dá para comparar o mercado de celulares e outros badulaques na praça com o comércio dos árabes daquele tempo."
A parte mais delicada é a dedicada a explicar as relações de Gabo com a política. Martin teve acesso a vários líderes com quem o escritor se relaciona. Porém, isenta-se de fazer críticas à amizade com o ditador cubano Fidel Castro. Martin considera Gabo o Mark Twain da Colômbia. "Ambos instituíram um senso nacional de humor e foram cronistas da relação entre província e capital. Assim como Machado de Assis e o Brasil."


GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ - UMA VIDA

Autor: Gerald Martin
Lançamento: Ediouro
Preço: R$ 89,90 (832 págs.)




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