|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sucesso literário requer talento para performance
Lobo Antunes assume que, atualmente, os autores, além de escrever, devem exibir habilidade para o stand-up comedy
Um dos maiores nomes da literatura contemporânea, português acha que leitores temem as obras que os obriguem a olhar para si
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
O poder da escrita António
Lobo Antunes descobrira ainda
criança, nos versos que ouvia o
pai recitar e nos poemas que ele
próprio, menino, viu saírem de
sua mão. Foi bem mais recentemente, porém, após 30 anos de
literatura, que descobriu um
outro poder: o da fala.
Estrela da festa de Paraty, em
2009, o escritor mostrou, nesta
entrevista, concedida de Lisboa, que tão aprimorado quanto sua escrita é seu discurso. O
mesmo homem que põe o personagem a perguntar "Achas
que a vida foi vida?", ensina, ao
telefone, que "não temos tempo para ouvir o outro, pois perdemos a vida a ganhá-la".
Em "O Arquipélago na Insônia", lançado esta semana, Antunes volta a escrever um livro
que, entre a poesia e os fantasmas que o habitam, não se presta a sinopses. "Quando escreve,
você está tentando cumprir
qualquer coisa impossível, que
é transformar em coisas ditas
coisas que não se podem dizer,
que você apenas pode sentir."
FOLHA - Esse livro nasceu da ideia
da casa habitada por mortos?
ANTÓNIO LOBO ANTUNES
- Você
não escreve com ideias, mas
com palavras. Uma vez, o Degas
foi mostrar um soneto ao Mallarmé. O Mallarmé disse que
os sonetos eram uma merda. O
Degas: "Mas eu tinha ideias tão
boas". E o outro: "Pois, mas você não escreve com ideias". São
as palavras que geram as palavras. Nos momentos bons, a
mão torna-se feliz e caminha
sozinha. Por isso é impossível
falar de um livro.
FOLHA - Mas o senhor foi um sucesso ao falar de seus livros na Flip.
ANTUNES
- É porque o jornalista, o Humberto Werneck, era
muito bom. Eu estava há muitos anos sem ir ao Brasil, porque , generoso, tinha pensado
"Caramba, preciso deixar um
país para o Saramago". Vê como sou simpático? Ir a Paraty
foi um esforço enorme, mas então decidi me divertir. E fiquei
surpreendido. Era tanta gente
entusiasmada que tive de sair
com seguranças. Agora sou um
chuchu, o que é também incômodo. Quando começa a haver
unanimidade, você se pergunta: o que fiz de errado?
FOLHA - O senhor se pergunta isso?
ANTUNES - Me pergunto se todo
sucesso não é um fracasso adiado. Há muitos artistas e pouca
arte. Em qualquer bar há uma
série de pintores que não pintam, escritores que não escrevem. É a era da performance.
FOLHA - O senhor acompanha a literatura contemporânea?
ANTUNES
- Gosto muito de Virgílio, Ovídeo, Horácio. O que
eles escreveram não tem uma
ruga. Os grandes poetas da nossa língua, no século 20, são os
brasileiros. Cabral, Drummond, Jorge da Lima. O Fernando Pessoa a mim me aborrece. Como é que um homem
que nunca trepou pode ser bom
escritor? Mas a idade de ouro
do livro acabou. No século 19,
havia 30 gênios escrevendo ao
mesmo tempo. Agora, se encontrar cinco bons escritores
no mundo já não é nada mau.
FOLHA - Talvez os autores se dispersem em viagens, jantares...
ANTUNES
- Resolvo o assunto de
maneira simples: aceito quatro
convites por ano. Se sai o tempo
todo, você não tem tempo para
escrever. Tem que ser uma galinha a proteger seus ovos. A jantares não vou porque as pessoas ficam à espera de que eu
diga coisas inteligentes. É como
esperar que um acrobata ande
na rua dando saltos mortais.
FOLHA - Essa falta de escritores se
deveria também à falta de leitores?
ANTUNES
- As pessoas vivem
mal. Quando têm que parar e
olhar para elas, ficam assustadas. E a literatura pede esse
olhar. Mas é uma alegria tão
grande achar um livro bom. Eu,
como leitor, quero que o autor
me comova, que me dê a alegria
de uma frase bem feita. Um livro tem que ser aquilo que um
procurava e não achava.
O ARQUIPÉLAGO DA INSÓNIA
Autor: António Lobo Antunes
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 44,90 (256 págs.)
Texto Anterior: Cristovão Tezza: O Brasil de Jorge Amado Próximo Texto: Frase Índice
|