São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997.



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Claudia Roquette-Pinto supera o passado em "Zona de Sombra"

NELSON ASCHER
A carioca Claudia Roquette-Pinto está lançando sua terceira coletânea

de poemas. Livro estranho, denso e difícil, se há algo que ressalta em "Zona de Sombra" é o intenso empenho da autora de romper com sua maneira anterior de escrever, maneira que atingira cristalização precoce e consumada no seu segundo volume, "Saxífraga".
Como o título (remetendo a W.C. Williams) indicava, muitos dos textos descendiam do objetivismo americano e, no embate entre clareza e obscuridade sugestiva, triunfava geralmente a primeira.
Os patronos que, declaradamente nas epígrafes, Claudia invoca para a ruptura são Paul Celan e Georg Trakl, por um lado, e René Char, por outro.
Há no livro um lado ainda objetivista que se condensa em momentos de que nenhum anglo-americano cultor da poesia japonesa se envergonharia: "na lousa da noite/ os grilos vão deixando reticências". Ela continua também a se valer de recursos que dominara antes, como os termos raros ou inesperados e as palavras montagem -"silêncio-cutelo", "camurça-conceito", "corpo-arremesso", "dedos-palafita".
Mas o nome "Zona de Sombra" define perfeitamente o lugar onde a autora sabe que está se embrenhando e não falta, em seu poema, o reconhecimento explícito disso, por exemplo, ao dizer: "quando abandonamos o nítido/ por um pouso menos claro".
É num poema -talvez o melhor do livro- onde evoca "A Terceira Margem do Rio" de Guimarães Rosa, não diretamente, mas de forma oblíqua, através da letra homônima de Caetano Veloso, que ela registra mais eloquentemente seu antiprograma: "signo,/às escuras,/ a mão nua abrindo o fio/ (começa comigo) a/costura invisível/do rio".

Livro: Zona de Sombra
Autora: Claudia Roquette-Pinto
Lançamento: Editora Sette Letras





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