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MÚSICA
Filhos do cantor, morto em 2000 e acusado de colaborar com a ditadura, resgatam gravações "enterradas" por três décadas
Wilson Simonal respira em caixa de luxo
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Trinta anos após o banimento
em vida e quatro anos depois de
sua morte, Wilson Simonal (1938-2000) volta a respirar. O naco
mais expressivo da obra musical
desse músico carioca precisou de
sua morte para sair da treva e se
reacondicionar na luxuosa caixa
de nove CDs "Wilson Simonal na
Odeon (1961-1971)".
Um dos dois cantores de maior
sucesso popular do Brasil na virada trágica dos anos 60 aos 70 -o
outro era Roberto Carlos-, Simonal sobreviveu três décadas
em completo esquecimento.
Afora tentativas isoladas, permaneceu alijado do formato CD e
ausente das citações de seus ex-colegas de profissão.
Um número razoável de pessoas sabe que sua ruína se relacionou à manta com que foi coberto,
pelos outros e por si próprio, de
suposto dedo-duro a serviço do
regime militar em seus momentos mais dramáticos.
Pouquíssima gente sabe que tipo de música ele cantava, que importância artística teve, qual foi
sua participação político-musical
no país -para além (ou aquém)
do redemoinho em que acabou se
envolvendo, com episódios de
tortura (num porão policial da ditadura) de um contador que ele
acusara de desfalque, condenação
e prisão de Simonal, morte mal-esclarecida de um de seus principais colaboradores, o maestro Erlon Chaves (1933-74), líder black
power da Banda Veneno.
Morto o pai, mas viva no subsolo a história, moveram-se a revolver memórias da MPB seus dois
filhos homens. Os também músicos Wilson Simoninha, 40, e Max
de Castro, 31, encamparam junto
à gravadora EMI, herdeira do
acervo Odeon, recuperação das fitas originais e produção da caixa.
Com apoio, pesquisa histórica e
texto do jornalista Ricardo Alexandre, 30, a dupla vasculhou
acervos, reencontrou faixas só
lançadas em compactos e descobriu uma série de gravações completamente inéditas de Simonal.
Está tudo no pacote.
Não só. A EMI lhes pediu um
disco de remixes de ex-sucessos
como "Mamãe Passou Açúcar em
Mim" (66), "Nem Vem Que Não
Tem" (67), "País Tropical" (69)
etc. "Rewind" sai também agora
em CD avulso, estrelado por músicos de hip hop e drum'n'bass
como DJ Patife, DJ Hum, Instituto
e Ramilson Maia.
O projeto deve seguir mais
adiante, também pelas mãos de
EMI, Simoninha e Max, com um
álbum de "duetos" entre a voz do
cantor morto e artistas locais contemporâneos. É tentativa a mais
de romper a repulsa que a classe
musical sentiu e sente por seu
mais cultivado bode expiatório.
É Max quem descreve sua experiência diante do pai proscrito:
"Aos dez anos, ia até a loja de disco e perguntava se tinha disco do
Simonal. O cara nunca tinha ouvido falar. Os professores falavam
que eu era filho dele, mas nenhum
amigo sabia quem era. Eu não entendia o porquê".
Ele próprio chegou a incorporar
o sentimento: "Houve fase em
que parei de ouvir suas músicas,
queria me ver livre daquilo. Jamais imaginei que seria eu uma
das pessoas que iam acabar ajudando a recuperar sua obra".
A caixa não tenta escamotear o
lado sombrio da trajetória de Simonal. "O livro conta tudo o que
aconteceu. É claro que é triste,
mas isso não está na música, nem
estava na pessoa no auge de seu
sucesso", afirma Simoninha.
Se a tempestade política está exposta, também resta restabelecida
outra porção de Simonal, essa soterrada desde 71: seu apreço pela
luta racial, implementada ao menos desde que compôs e interpretou "Tributo a Martin Luther
King" (67).
"Na época, acho que posso dizer
isso agora, Simonal estava muito
atento à criação do Partido dos
Panteras Negras nos Estados Unidos", afirma seu músico e amigo
Cesar Camargo Mariano, em depoimento a Ricardo Alexandre.
"Ele sempre teve essa consciência. Era preto e pobre, sabia disso", diz Simoninha. "Um pouco
de arrogância é comum num caso
assim, vê-se isso nos rappers americanos de hoje, nos Racionais
MC's, até por postura defensiva."
Parte desse contexto reaparece
em o "Samba do Crioulo Doido"
(68), de Stanislaw Ponte Preta,
que embaralhava épocas históricas brasileiras e afirmava, antes
do Ato Institucional nš 5, que "foi
proclamada a escravidão".
WILSON SIMONAL NA ODEON (1961-1971) - Caixa com nove CDs.
Lançamento: EMI. Quanto: R$ 200 (preço
sugerido pela gravadora).
REWIND - Disco de remixes de Wilson
Simonal. Lançamento: EMI. Quanto: R$
30, em média.
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