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Show/crítica
Mutantes perdem a juventude
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES
Minutos antes de começar o esperado
show da volta dos
Mutantes, no Barbican Hall,
em Londres, na segunda à noite, há 20 pessoas no palco, entre roadies, empresários e cameramen. Todos andando de
um lado a outro, arrumando
fios e amplificadores, colando
set lists no chão. Uma superprodução oposta à anarquia e
despretensão que fizeram a fama da banda. Mas, é claro, as
coisas mudaram. Quase 40
anos depois, eles vivem do que
criaram, e cada gesto é um esforço para tentar reproduzir a
inocência perdida e a ingenuidade anárquica da juventude.
Quando a banda é anunciada,
todo o público se levanta para
aplaudir de pé. Sérgio, Arnaldo
e Zélia caminham para o centro
do palco, fantasiados como nos
velhos tempos. A audiência parece mais curiosa que deslumbrada quando os complexos vocais de "Dom Quixote" abrem o
show. Enquanto a banda esquenta, nenhuma palavra é dita. Até o final da quarta música,
quando Sérgio manda o tradicional: "É ótimo estar aqui".
No palco, o dobro de músicos
do que na época em que apenas
Rita, Arnaldo e Sérgio tocavam
com Dinho e Liminha. Não há
dúvida: é um show de Sérgio
Dias. Grande showman, cantando com perfeição, sem errar
nada, tem o ego na lua e tudo
sob controle -chega a se ajoelhar no chão enquanto manda
um longuíssimo solo de guitarra em "Ando Meio Desligado" e
os cantores citam "While My
Guitar Gently Weeps".
Arnaldo, com dois teclados
na frente e um amplificador
Marshall atrás, tem efeito puramente cênico. Dois tecladistas fazem as partes difíceis, e
seu único momento realmente
solo é em "Dia 36", que canta
em um microfone com pesado
efeito distorcendo o vocal. Com
sorriso de criança e olhar vago,
ele parece feliz, mas incapaz de
se entregar e receber de volta o
que o público quer dele. Frases
como "Arnaldo é incrível!" e
gritos pedindo sua atenção podem ser ouvidos, mas há algo de
incômodo, de condescendente
na adoração por ele.
Zélia Duncan, por sua vez, está ali plenamente consciente
dos riscos e méritos de sua participação. Apesar de sua posição central na banda, só tem
seu primeiro momento solo na
oitava música, "Baby", e depois
em poucos momentos, como
em "Fuga nš 2" e "Le Premier
Bonheur du Jour". A backing
vocal Esméria Bulgari faz todas
as partes vocais mais delicadas
de Rita Lee. Ao final, Zélia não
se comprometeu nem teve espaço para mostrar sua personalidade. Mas pôde cantar com
suavidade e mostrar um lado
doce raro em sua carreira solo.
O cantor neo-hippie Devendra Banhart (atração confirmada para o Tim Festival deste
ano) faz participação em "Bat
Macumba" mudando o plano
original de cantar em "El Justiciero". Pula, dança, diverte-se e
mal chega perto do microfone.
Quando chegamos ao final do
show, em músicas como "A Minha Menina" e "Panis et Circensis" (cantada em sua versão
em inglês), o público está dançando. A banda soa como em
disco e tudo corre como previsto. Poderia ter sido um desastre, mas foi o que todos queriam ver e ouvir, show perfeito
para ser vendido a festivais,
sem surpresas nem detalhes
inesperados. Exatamente o que
os Mutantes nunca foram.
Avaliação:
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