São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 2006

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Show/crítica

Mutantes perdem a juventude

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES

Minutos antes de começar o esperado show da volta dos Mutantes, no Barbican Hall, em Londres, na segunda à noite, há 20 pessoas no palco, entre roadies, empresários e cameramen. Todos andando de um lado a outro, arrumando fios e amplificadores, colando set lists no chão. Uma superprodução oposta à anarquia e despretensão que fizeram a fama da banda. Mas, é claro, as coisas mudaram. Quase 40 anos depois, eles vivem do que criaram, e cada gesto é um esforço para tentar reproduzir a inocência perdida e a ingenuidade anárquica da juventude.
Quando a banda é anunciada, todo o público se levanta para aplaudir de pé. Sérgio, Arnaldo e Zélia caminham para o centro do palco, fantasiados como nos velhos tempos. A audiência parece mais curiosa que deslumbrada quando os complexos vocais de "Dom Quixote" abrem o show. Enquanto a banda esquenta, nenhuma palavra é dita. Até o final da quarta música, quando Sérgio manda o tradicional: "É ótimo estar aqui".
No palco, o dobro de músicos do que na época em que apenas Rita, Arnaldo e Sérgio tocavam com Dinho e Liminha. Não há dúvida: é um show de Sérgio Dias. Grande showman, cantando com perfeição, sem errar nada, tem o ego na lua e tudo sob controle -chega a se ajoelhar no chão enquanto manda um longuíssimo solo de guitarra em "Ando Meio Desligado" e os cantores citam "While My Guitar Gently Weeps".
Arnaldo, com dois teclados na frente e um amplificador Marshall atrás, tem efeito puramente cênico. Dois tecladistas fazem as partes difíceis, e seu único momento realmente solo é em "Dia 36", que canta em um microfone com pesado efeito distorcendo o vocal. Com sorriso de criança e olhar vago, ele parece feliz, mas incapaz de se entregar e receber de volta o que o público quer dele. Frases como "Arnaldo é incrível!" e gritos pedindo sua atenção podem ser ouvidos, mas há algo de incômodo, de condescendente na adoração por ele.
Zélia Duncan, por sua vez, está ali plenamente consciente dos riscos e méritos de sua participação. Apesar de sua posição central na banda, só tem seu primeiro momento solo na oitava música, "Baby", e depois em poucos momentos, como em "Fuga nš 2" e "Le Premier Bonheur du Jour". A backing vocal Esméria Bulgari faz todas as partes vocais mais delicadas de Rita Lee. Ao final, Zélia não se comprometeu nem teve espaço para mostrar sua personalidade. Mas pôde cantar com suavidade e mostrar um lado doce raro em sua carreira solo.
O cantor neo-hippie Devendra Banhart (atração confirmada para o Tim Festival deste ano) faz participação em "Bat Macumba" mudando o plano original de cantar em "El Justiciero". Pula, dança, diverte-se e mal chega perto do microfone.
Quando chegamos ao final do show, em músicas como "A Minha Menina" e "Panis et Circensis" (cantada em sua versão em inglês), o público está dançando. A banda soa como em disco e tudo corre como previsto. Poderia ter sido um desastre, mas foi o que todos queriam ver e ouvir, show perfeito para ser vendido a festivais, sem surpresas nem detalhes inesperados. Exatamente o que os Mutantes nunca foram.
Avaliação:    


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