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Romance/ "Viagem ao Fundo da Sala"
Com um raro tom de humor, Tibor Fischer remete a Martin Amis
História de designer gráfica que não sai de casa vai além de suposto retrato de geração cujas experiências são virtuais
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não são poucas as chances de um romance como "Viagem ao Fundo
da Sala", do inglês Tibor Fischer, sobre uma designer gráfica que passa os dias sem sair de
casa em Londres, esgotar-se
em seu próprio argumento.
Isso porque, desde "Viagem à
Roda do Meu Quarto" (1794),
de Xavier de Maistre, tem sido
difícil levar adiante histórias
passadas em cenários tão limitados. Ou elas se transformam
em jornadas introspectivas de
autoconhecimento -material
não muito animador, como se
sabe-, ou servem apenas como
base para reminiscências, por
exemplo, o que desloca a ação
para o plano externo e pode
deixar o mote da trama com
aparência forçada, artificial.
Fischer decide se aventurar
pela segunda via e, de cara, o suposto retrato de uma geração
cujas experiências são quase
todas virtuais vai por água abaixo: na verdade, o livro é uma coletânea de casos contados por
pessoas com quem a protagonista cruzou em viagens, empregos e eventuais encontros
no seu prédio, memórias essas
desencadeadas quando começam a chegar pelo correio cartas de um antigo namorado.
Se está sempre próxima de
uma certa facilidade, a opção
também traz algumas vantagens. A primeira é que, convenhamos, o mundo anda um
tanto exausto de sociologia ficcional sobre pizzas ruins por
telefone, séries ruins de televisão a cabo e sites ruins de pornografia. A segunda, mais importante, é que na voz desses
outros personagens o livro acaba encontrando seu raro tom
de humor.
Alvos
Os alvos de Fischer são ilimitados: velhos, mendigos, strippers, imigrantes, vendedores
de carros, assassinos de guerra,
todos se deliciam descrevendo
um tempo em que a regra é pisar na cabeça do próximo, e depois rir muito a respeito. "Ele
queria chegar lá embaixo depressa. E chegou lá embaixo depressa", diz um instrutor de
mergulho sobre um japonês
que se afogou por excesso de
peso em seu equipamento.
"Podemos passar a vida inteira fazendo favores, mas não vamos conseguir nem um copo de
água ou cinco minutos de alívio
numa sinusite por causa disso",
reflete a narradora ao negar
ajuda a um porteiro de boate.
Talvez não sejam trechos notáveis isoladamente, mas seu
acúmulo até certo ponto impressionante, a cada página e a
cada parágrafo, remete à exuberância anárquica dos romances de seu conterrâneo Martin
Amis, escritos na década de 80.
Não por acaso, Amis andou
sendo atacado pelo autor de
"Viagem ao Fundo da Sala": como um pupilo que precisa se libertar da influência de seu
mestre, Tibor Fischer é o primeiro a saber de onde possivelmente saiu, com as devidas diferenças de temas e linguagem,
seu senso afiado de crueldade e
cinismo. O que, numa literatura como a atual, tão preocupada
em não ferir uma lista interminável de suscetibilidades, é um
sopro de vida sempre muito
bem-vindo.
MICHEL LAUB é autor dos romances "Longe da
Água" e "O Segundo Tempo", ambos da Companhia das Letras
VIAGEM AO FUNDO DA SALA
Autor: Tibor Fischer
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 38,50 (256 págs.)
Avaliação: bom
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