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DVDs
Crítica
Em cinebiografia de Descartes, Rossellini fala para iniciados
UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
"Penso, logo existo" é
a frase mais famosa
do filósofo francês
René Descartes (1596-1650),
mas o cineasta italiano Roberto
Rossellini (1906-1977) escolheu outra, bem menos difundida, para conduzir a cinebiografia do pensador: "A ciência
me impediu de viver a vida".
A afirmação dramática, até
surpreendente para os que se
acostumaram a associar o cartesianismo à primazia da razão,
faz parte da sequência final de
"Descartes" ("Cartesius", no
original), o quarto longa sobre
filósofos que o mestre do neorrealismo italiano filmou para a
TV na década de 70, no final da
carreira (completam a tetralogia "Sócrates", "Blaise Pascal" e
"Agostinho de Hipona").
O Descartes que Rossellini
apresentou ao público da Itália
em 1974 chega agora ao Brasil
em um DVD essencial para os
interessados em filosofia.
Com base nas obras e na vasta correspondência do filósofo,
o filme mostra dois aspectos
em geral pouco abordados
quando se fala desse pensador
francês: seu lado humano, com
dúvidas, angústias, medos e
paixões, e o fato de ele ser um
produto de seu tempo.
Não que o brilhantismo individual de Descartes não esteja
lá. O filme "acompanha" três
décadas da vida do pensador e
expõe sua genialidade em diversas áreas -matemática, física, filosofia-, assim como seu
profundo interesse pelas novas
ciências, sua inquietação intelectual desde a juventude e a
admiração que sua inteligência
provocava nos interlocutores.
Mas o que Rossellini procura
enfatizar é o contexto em que
Descartes viveu. Desde a primeira cena, ele aparece rodeado de pessoas que debatem as
teses de Nicolau Copérnico
(1473-1543) e Galileu Galilei
(1564-1642) acerca da mobilidade da Terra e do heliocentrismo ou que fazem experiências
contrárias ao consenso "científico" da filosofia aristotélica.
Com isso, vemos um Descartes mundano, que acordava
sempre depois do meio-dia, temia publicar sua obra -sobretudo após a condenação de Galileu pelo Tribunal do Santo
Ofício, em 1633- e gostava de
viajar pela Europa em busca de
suas certezas racionais.
O resultado é uma ótima radiografia do amadurecimento
intelectual do pai da filosofia
moderna. Porém, se nisso reside o maior mérito do filme, aí
está também sua grande fraqueza: à força de enfatizar o
contexto da época e os conflitos
internos do personagem, Rossellini deixa de explicar em detalhes a obra de Descartes.
Sem didatismo, os 162 minutos do filme, quase todos com
diálogos densos, são pouco
convidativos para quem não é
familiarizado com o assunto. É
um preço alto que Rossellini
paga por sua escolha. No DVD,
felizmente, os extras ajudam a
sanar o problema.
DESCARTES
Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: livre
Avaliação: bom
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