São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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DVDs

Crítica

Em cinebiografia de Descartes, Rossellini fala para iniciados

UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

"Penso, logo existo" é a frase mais famosa do filósofo francês René Descartes (1596-1650), mas o cineasta italiano Roberto Rossellini (1906-1977) escolheu outra, bem menos difundida, para conduzir a cinebiografia do pensador: "A ciência me impediu de viver a vida".
A afirmação dramática, até surpreendente para os que se acostumaram a associar o cartesianismo à primazia da razão, faz parte da sequência final de "Descartes" ("Cartesius", no original), o quarto longa sobre filósofos que o mestre do neorrealismo italiano filmou para a TV na década de 70, no final da carreira (completam a tetralogia "Sócrates", "Blaise Pascal" e "Agostinho de Hipona").
O Descartes que Rossellini apresentou ao público da Itália em 1974 chega agora ao Brasil em um DVD essencial para os interessados em filosofia.
Com base nas obras e na vasta correspondência do filósofo, o filme mostra dois aspectos em geral pouco abordados quando se fala desse pensador francês: seu lado humano, com dúvidas, angústias, medos e paixões, e o fato de ele ser um produto de seu tempo.
Não que o brilhantismo individual de Descartes não esteja lá. O filme "acompanha" três décadas da vida do pensador e expõe sua genialidade em diversas áreas -matemática, física, filosofia-, assim como seu profundo interesse pelas novas ciências, sua inquietação intelectual desde a juventude e a admiração que sua inteligência provocava nos interlocutores.
Mas o que Rossellini procura enfatizar é o contexto em que Descartes viveu. Desde a primeira cena, ele aparece rodeado de pessoas que debatem as teses de Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642) acerca da mobilidade da Terra e do heliocentrismo ou que fazem experiências contrárias ao consenso "científico" da filosofia aristotélica.
Com isso, vemos um Descartes mundano, que acordava sempre depois do meio-dia, temia publicar sua obra -sobretudo após a condenação de Galileu pelo Tribunal do Santo Ofício, em 1633- e gostava de viajar pela Europa em busca de suas certezas racionais.
O resultado é uma ótima radiografia do amadurecimento intelectual do pai da filosofia moderna. Porém, se nisso reside o maior mérito do filme, aí está também sua grande fraqueza: à força de enfatizar o contexto da época e os conflitos internos do personagem, Rossellini deixa de explicar em detalhes a obra de Descartes.
Sem didatismo, os 162 minutos do filme, quase todos com diálogos densos, são pouco convidativos para quem não é familiarizado com o assunto. É um preço alto que Rossellini paga por sua escolha. No DVD, felizmente, os extras ajudam a sanar o problema.


DESCARTES

Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: livre
Avaliação: bom


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