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Em cartas reais, autores vão do ridículo ao literário
Coletânea reúne missivas de Machado, Chopin e outros
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Já virou clichê dizer, citando
Fernando Pessoa, que "todas as
cartas de amor são ridículas".
Tendem a ser um bocado chatas também. As mesmas promessas; as mesmas reclamações; a mesma ansiedade quando a resposta demora a chegar...
Vemos tudo isso em "Para
Sempre", seleção de "50 Cartas
de Amor de Todos os Tempos",
feita por Emerson Tin para a
editora Globo. Mas há coisas
interessantes nesta coletânea.
Por vezes, o texto transcrito
importa menos do que a relevância histórica de seu autor.
"A nossa separação me parece muito mais longa do que a última, apesar de estarmos longe
um do outro há apenas 15 dias.
Acho que a sua delicadeza e a
intensidade do meu amor são a
razão desse meu sentimento..."
Palavras banais, sem dúvida,
mas que ganham outro peso
quando se lê que foram escritas
por Henrique 8º a Anna Bolena, alguns anos antes de o monarca decidir decapitá-la.
Beethoven, Voltaire, Gramsci, Chopin e Rui Barbosa participam desta edição. É curioso
ver romantismo em quem menos se imagina, e pura objetividade nos românticos mais radicais. Chopin, de quem se esperaria muito mel nas cartas a
George Sand, é apressado, noticioso e seco. Fernando Pessoa,
apesar (ou por causa) de seus
versos contra cartas de amor, é
o mais ridículo de todos.
Caso raro de coerência entre
vida literária e vida amorosa,
Machado de Assis escreve uma
carta de amor notável pela precisão vocabular e analítica.
As melhores cartas são aquelas em que o autor não se esquece dos deveres literários. A
inglesa Katherine Mansfield é
um exemplo a ser seguido por
qualquer pessoa que queira escrever uma carta de amor. Não
faça declarações idiotas. Descreva, apenas, o que você vê nos
modos, nas roupas, no corpo da
pessoa amada. A paixão irá colorir suas frases mais objetivas.
Eis o que ela escreve ao marido, em 1917: "Não estou falando
de paixão. Não, é de outra coisa
que me torna tão precioso cada
centímetro de seu corpo -seus
ombros leves, sua pele sedosa e
quente, suas orelhas frias [...].
Você tem uma verruga bem sob
aquele ossinho que salta para
fora abaixo do pescoço".
Todo o resto, como dizia Verlaine, "é literatura". Pena que
haja tanta "literatura" -mera
falação amorosa- na maioria
das cartas selecionadas aqui.
PARA SEMPRE - 50 CARTAS DE
AMOR DE TODOS OS TEMPOS
Organizador: Emerson Tin
Editora: Globo
Quanto: R$ 26 (168 págs.)
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