São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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Em cartas reais, autores vão do ridículo ao literário

Coletânea reúne missivas de Machado, Chopin e outros

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Já virou clichê dizer, citando Fernando Pessoa, que "todas as cartas de amor são ridículas". Tendem a ser um bocado chatas também. As mesmas promessas; as mesmas reclamações; a mesma ansiedade quando a resposta demora a chegar...
Vemos tudo isso em "Para Sempre", seleção de "50 Cartas de Amor de Todos os Tempos", feita por Emerson Tin para a editora Globo. Mas há coisas interessantes nesta coletânea. Por vezes, o texto transcrito importa menos do que a relevância histórica de seu autor.
"A nossa separação me parece muito mais longa do que a última, apesar de estarmos longe um do outro há apenas 15 dias. Acho que a sua delicadeza e a intensidade do meu amor são a razão desse meu sentimento..." Palavras banais, sem dúvida, mas que ganham outro peso quando se lê que foram escritas por Henrique 8º a Anna Bolena, alguns anos antes de o monarca decidir decapitá-la.
Beethoven, Voltaire, Gramsci, Chopin e Rui Barbosa participam desta edição. É curioso ver romantismo em quem menos se imagina, e pura objetividade nos românticos mais radicais. Chopin, de quem se esperaria muito mel nas cartas a George Sand, é apressado, noticioso e seco. Fernando Pessoa, apesar (ou por causa) de seus versos contra cartas de amor, é o mais ridículo de todos.
Caso raro de coerência entre vida literária e vida amorosa, Machado de Assis escreve uma carta de amor notável pela precisão vocabular e analítica.
As melhores cartas são aquelas em que o autor não se esquece dos deveres literários. A inglesa Katherine Mansfield é um exemplo a ser seguido por qualquer pessoa que queira escrever uma carta de amor. Não faça declarações idiotas. Descreva, apenas, o que você vê nos modos, nas roupas, no corpo da pessoa amada. A paixão irá colorir suas frases mais objetivas.
Eis o que ela escreve ao marido, em 1917: "Não estou falando de paixão. Não, é de outra coisa que me torna tão precioso cada centímetro de seu corpo -seus ombros leves, sua pele sedosa e quente, suas orelhas frias [...]. Você tem uma verruga bem sob aquele ossinho que salta para fora abaixo do pescoço".
Todo o resto, como dizia Verlaine, "é literatura". Pena que haja tanta "literatura" -mera falação amorosa- na maioria das cartas selecionadas aqui.


PARA SEMPRE - 50 CARTAS DE AMOR DE TODOS OS TEMPOS

Organizador: Emerson Tin
Editora: Globo
Quanto: R$ 26 (168 págs.)


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