São Paulo, segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Para diretor, "não adianta querer entender seus filmes"

DA ENVIADA A CANNES

Conversar com o diretor Apichatpong Weerasethakul ajuda, e muito, na compreensão de seus filmes.
O tailandês de 39 anos modula suas frases quase como se fossem uma prece. Se a resposta é, no conteúdo, um pouco mais dura, ele procura arrematá-la com o riso tímido, bem oriental.
Weerasethakul conversou com a Folha e com quatro jornalistas da Ásia e da Austrália um dia antes de ganhar a Palma de Ouro.
Paciente, tentava limitar as divagações que seu filme "Lung Boonmee Raluek Chat" (tio Boonmee que se lembra de vidas anteriores) alimenta, deixando claro que, apesar de ter feito um filme com seres de outro mundo, não é religioso. "Apenas faço meditação", afirma.
Na entrevista a seguir, concedida numa tenda montada à beira do mar da Côte d'Azur, ele fala sobre o que espera do cinema e tranquiliza quem não entende seus filmes. Não é para entender. Weerasethakul desaponta, apenas, quem quer saber como se pronuncia seu nome. O primeiro nome soa, mais ou menos, como se lê. O segundo, é impossível reproduzir fielmente. Todas as letras viram duas ou três sílabas anasaladas.

 

FOLHA - "Tio Boonmee..." é um filme difícil, estranho. O que você diria para os espectadores que não têm paciência para o seu cinema. Eles deveriam tentar entendê-lo?
Apichatpong Weerasethakul
- Diria: "Relaxem!". Não adianta querer entender muito, não. Abram suas mentes e deixem as imagens entrar. Mas as pessoas são diferentes e não espero que todas gostem do que faço.
Tem gente que vai achar meus filmes chatos. Mas, às vezes, eu também, quando vejo filmes comerciais, não entendo, não consigo entrar naquela loucura.

O que é fazer cinema no seu entendimento?
Eu só faço um filme quando ele é o único recurso para contar uma história. Se eu pudesse escrever essa história, eu não faria um filme.

Mas as pessoas sentem faltam, justamente, da história, do sentido mais imediato.
Eu não li o que saiu sobre o filme aqui, mas o que me move não é o que vão achar dele. Em cada filme, sou movido por uma pergunta diferente. Neste caso, a história fazia parte da concepção do filme.

Mas você fez roteiro?
Para conseguir recursos, eu preciso de um roteiro.

Como consegue dinheiro para fazer filmes que, claramente, não têm um mercado?
É cada vez mais difícil conseguir. É por isso que, nesse filme, tenho quatro ou cinco países envolvidos. O dinheiro vem, basicamente, de fundos públicos desses países. Mas está difícil porque agora dizem que sou reconhecido e não preciso mais desses fundos. Só que eu preciso.

Você vive de cinema?
Não, eu faço dívidas com o cinema. Eu vivo de arte. Vendo obras para galerias.

Seus filmes são vistos na Tailândia?
Muito pouco. Eles saem em dois cinemas. Qualquer lançamento envolve promoção, conversa com os donos de sala. Estou um pouco cansado disso, até porque só temos multiplex, com muita pipoca. Nesse ambiente, nem eu ia querer ver meu filme.

E o cinema que se faz hoje no mundo, te agrada?
Acho que o cinema já foi muito mais desafiador. Nos anos 1960 e 1970, tínhamos filmes mais interessantes.
Fomos nos tornando todos muito parecidos e nossos filmes também. Tudo parece tão previsível. E o cinema nos permite ir para mundos paralelos. Por que não ir?

O seu filme coloca homens e animais no mesmo plano. Por que você fez isso?
Minha ideia é representar a troca de energia entre homens, animais e plantas. O homem pode dividir suas memórias com a natureza. Primeiro, o roteiro tinha uma narração que explicava tudo. Mas então nós mudamos isso. Temos de respeitar a imaginação do público.
Não queria ser pretensioso ou intelectual demais, mas queria ser abstrato.
Uso elementos da fantasia infantil que não precisam ser levados tão a sério. Alguns exprimem só sensações.

Você veio para o festival com o seu país no meio do caos [o Exército atacou os rebeldes de um grupo chamado "camisas vermelhas"]. Você teve algum problema?
Sim, eu só consegui sair porque fiquei sob proteção da Embaixada da França. É muito triste tudo o que está acontecendo no meu país.

E é difícil, daqui, entendermos os confrontos.
São muitas as facções, muitas as questões envolvidas. Mas nunca imaginei que pudéssemos chegar a tamanha violência. É triste o que está acontecendo na Tailândia, mas é importante. As desigualdades são imensas. As pessoas tinham que reagir.


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