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Livro-reportagem narra a dura vida das afegãs
"O Livreiro de Cabul", de Asne Seierstad, mostra que pouco mudou no pós-guerra
Livreiro do título acusou a autora de traição, ameaçou processá-la, mas preferiu assinar contrato para livro com sua versão dos fatos
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Nascida em 1970, filha de
uma mãe feminista e um pai socialista, a jornalista norueguesa
Asne Seierstad não poderia,
nem quis livrar-se das opiniões
liberais que marcaram sua formação. Ao ver como as afegãs
eram tratadas como cidadãs de
segunda classe, Seierstad voltou sua pena para o homem que
a acolheu em Cabul, para escrever um livro sobre uma família
afegã, após a queda do regime
Taleban. Foi acusada por ele de
traidora, por retratá-lo como
um "tirano", e de etnocêntrica,
por alguns críticos, pelo viés
ocidental com que observou os
costumes afegãos.
"Eu não tento afirmar que
meu ponto de vista é melhor ou
mais justo. Mas acredito que é
importante escrever sobre o
sofrimento das pessoas. E acredito em direitos humanos universais. No Afeganistão, estes
direitos são violados diariamente. Isto é tomar partido?",
indaga a jornalista.
A resposta para pergunta acima pode estar no relato, com
tons literários, dos três meses
em que Seierstad conviveu com
a família afegã. "O Livreiro de
Cabul", best-seller já vendido
para mais de 30 países, chega
ao Brasil com chances de se tornar um novo "O Caçador de Pipas", romance com tintas autobiográficas de Khaled Hosseini,
que também tem o Afeganistão
como pano de fundo.
Livro-documentário
O livreiro do título é Sultan
Khan (nome fictício), homem a
quem Seierstad conheceu após
meses cobrindo a guerra contra
os talebans. A jornalista viu nele -um homem aparentemente liberal, que resistira aos comunistas e ao Taleban para
manter sua livraria aberta- a
oportunidade de revelar outra
faceta do país, diferente da dos
comandantes, soldados e vítimas diretas da guerra a quem já
havia entrevistado.
"Uma família típica afegã seria analfabeta, estaria no campo, lutando para sobreviver,
uma vida que não mudaria
muito com a queda do regime.
Na família do livreiro os membros eram mais abertos, poderiam refletir sobre as mudanças no país etc. E, ao mesmo
tempo, quando se trata de tradições, regras e costumes, eles
eram típicos afegãos, embora
tivessem mais dinheiro do que
a maioria da população", diz.
Na casa do livreiro, Seierstad
conviveu com sua esposa, cinco
filhos e outros parentes, com
quem dividia quatro cômodos.
Chegou lá com a "roupa do corpo" e, ao mesmo tempo em que
sofreu com a burca ("aperta e
dá dor de cabeça, enxerga-se
mal através da rede bordada"),
tirou proveito da indumentária
para circular incógnita em ônibus, mercados, e até um banho
público de Cabul.
Sem falar o dialeto persa da
família, a jornalista pôde, por
sorte, falar em inglês, com alguns membros. Anotou relatos
sobre suas infâncias, casamentos e memórias da guerra. Jamais se intrometeu em conflitos, mesmo quando testemunhou o filho adolescente de
Khan ser obrigado a trabalhar
12 horas por dia, sem poder estudar. Ou quando seu anfitrião
decidiu "exilar" a primeira mulher no Paquistão, para casar-se com uma menina de 16 anos.
"De que adiantaria tentar
mudar uma família afegã? Preferi ficar com minha boca calada e escrever o que ouvia e via.
Mas é claro que algumas vezes
fiquei com vontade de gritar
que algo era injusto. Mas não
fiz isso, escrevi o livro ao invés."
A jornalista não só escreveu o
livro, como partiu para uma
ação mais concreta para ajudar
os afegãos: doou US$ 200 mil
(cerca de R$ 450 mil), parte dos
ganhos com seu livro, para
construir uma escola para 600
garotas nos arredores de Cabul.
Khan, cujo verdadeiro nome
é Shah Mohammad Rais, ameaçou processar Seierstad, mas
trocou o tribunal por um contrato com um editor norueguês, para um livro com o título
"Eu Sou o Livreiro de Cabul".
"Ele que escreva o livro e os
leitores vão julgar. É melhor do
que tentar limitar a minha liberdade de expressão e mais
democrático".
O LIVREIRO DE CABUL
Autora: Asne Seierstad
Tradução: Greke Skevic
Editora: Record
Quanto: R$ 45,90 (320 págs.)
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